Coronavírus dita uma nova etiqueta, sem beijos nem abraços. Até quando?
Há uma série de novos códigos de interacção social para conter a propagação do novo coronavírus. Poderá a etiqueta respiratória mudar a forma de estar?
Bater os cotovelos, acenar ao longe, baixar ligeiramente a cabeça ou mesmo dar “um aperto de pés”. Estas são algumas das novas formas de duas pessoas se cumprimentarem, independentemente das suas cultura e origem. Tudo para minimizar o contacto físico e, assim, controlar a disseminação de SARS-CoV-2, o vírus responsável pela doença covid-19 que, desde o início do ano, já foi responsável pela morte de mais de 4000 pessoas, registando-se, actualmente, cerca de 50 mil casos activos em todo o mundo.
Por cá, e na maioria dos países do Sul da Europa, a luta passa por travar comuns apertos de mão do mundo dos negócios e os “mais cinco” dos mais jovens, mas sobretudo os beijos e os abraços que se trocam entre familiares e amigos. Uma atitude que tanto pode ser interpretada como protecção, e em linha com o defendido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e com os pedidos insistentes do Governo — de António Costa a Graça Freitas, todos têm apelado ao “distanciamento social” —, mas também como uma ofensa — como recusar um beijinho a uma tia, um abraço a um amigo, um aperto de mão a alguém que nos acabou de entrevistar para um emprego?
Para Vasco Ribeiro, autor e especialista em etiqueta, “é preciso educarmo-nos uns aos outros numa altura em que o contacto físico deve ser evitado”. Quanto à ideia de se poder passar por mal-educado ao recusar o contacto, Vasco Ribeiro faz notar ao PÚBLICO que, perante o contexto que estamos a viver, o problema estará em quem ainda não percebeu os perigos e não em quem recusa o cumprimento, exemplificando que ele próprio introduz logo o tema para refrear cumprimentos.
Footshake e namaste, as novas formas de dizer “olá”
Certo é que os exemplos parecem vir de toda a parte. A começar pela OMS, cuja directora do departamento de preparação global para os riscos infecciosos, Sylvie Briand, publicou na sua conta oficial de Twitter algumas alternativas de cumprimentos para esta altura de “contenção social”.
Já na Tanzânia, onde não há nenhum caso de covid-19 identificado, o Presidente John Magufuli tornou-se viral no Twitter quando optou por, alegremente, acolher o assessor do partido ACT-Wazalendo, o professor Seif Sharif Hamad, com um toque de pés (footshake ou “ao estilo coronavírus” como se descreve numa publicação naquela rede social). E, na Nova Zelândia, em algumas instituições, o tradicional hongi, uma saudação maori na qual duas pessoas juntam narizes e testas, foi trocada pelo waiata, um canto maori de boas-vindas. Por Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu fomentou o namaste como cumprimento e, no Irão, onde há suspeitas de o surto estar descontrolado, o Governo apela a que as pessoas deixem de se tocar na altura de trocarem saudações.
Ainda assim, como comprovam as imagens da chanceler alemã Angela Merkel a estender a mão ao ministro do Interior Horst Seehofer, o hábito parece ser mais forte que a precaução devida. Pelo menos para a primeira, porque Seehofer foi rápido no gatilho ao recusar o cumprimento. E fora alguns risos entre os presentes a solução passou por um mero e respeitoso balançar de cabeça.
Mas terão estes novos modos de interacção vindo para ficar? Para Vasco Ribeiro, “a curto prazo, sim”. No entanto, considera provável que este surto, a médio e longo prazo, venha a alterar modos de convivência. “Em eventos com desconhecidos, a troca tão portuguesa dos dois beijinhos deverá vir a ser substituída pelo aperto de mãos — após o qual se pode, subtilmente, lavar as mãos.”
O exemplo das religiões
Em plena época de Quaresma, para os cristãos católicos este é um período de grande afluência às igrejas, cujas celebrações incluem a saudação, com contacto físico, e a comunhão, em que é depositada a hóstia na boca ou na mão do crente — comportamentos que podem ser considerados de risco numa época de epidemia. Em Portugal, o Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa recomendou, num documento citado pela agência Ecclesia, “algumas medidas de prudência nas celebrações e espaços litúrgicos, como, por exemplo, a comunhão na mão, a comunhão por intinção [mergulhar a hóstia no vinho] dos sacerdotes concelebrantes, a omissão do gesto da paz e o não uso da água nas pias de água benta”.
Da parte da Aliança Evangélica Portuguesa também foi divulgado um conjunto de indicações aos seus membros, como a desinfecção das mãos antes de entrarem nas salas de culto. Além desta medida, o organismo aconselha os cumprimentos sem contacto físico, a permanência no domicílio dos membros com mais de 65 anos ou imunodeprimidos, que poderão assistir ao culto “através de transmissão online” e a existência de um registo interno de participantes em cada culto, tendo em vista a eventual comunicação às autoridades de saúde caso se verifique a presença de um eventual infectado. A mesma confissão religiosa defende, citada pela Lusa, a utilização “de cálices individuais e que o pão servido na comunhão seja dado a cada um através do uso de luvas”, objectos que deverão ser usados também no “manuseamento das ofertas” — foi ainda colocada a possibilidade de estas serem efectuadas por MB Way.
Já Espanha, com uma forte tradição dos festejos pascais, além das medidas acima mencionadas, que também foram aconselhadas pela Conferência Episcopal Espanhola (CEE), está a ser recomendado que os fiéis não toquem e muito menos beijem as imagens dos santos — um gesto muito comum neste período. Fora de causa estará, porém, o encerramento dos templos e a suspensão das celebrações. “A devoção não nos curará desta doença, mas combate o vírus do medo”, considerou o secretário-geral da CEE, Luis Argüello, citado pelo portal de notícias religiosas Vida Nueva.
Também nos países de tradição islâmica, vários momentos religiosos estão a ser alterados, relata a Al Jazeera. No Irão, onde há mais de sete mil casos confirmados e 237 óbitos, as orações de sexta-feira foram canceladas; em Singapura, com 160 diagnósticos, os fiéis estão instruídos para levarem os seus próprios tapetes para a mesquita; e a Arábia Saudita, que regista 20 casos confirmados, proibiu a peregrinação Umrah para Meca.