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Vilões, heróis ou vítimas? As palavras e as histórias dos que permanecem em Calais

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A “selva de Calais” — um acampamento de migrantes num terreno baldio da zona portuária de Calais, em França, que albergou, no seu pico, cerca de dez mil migrantes — foi desmantelada pela polícia francesa em 2016. Desde então, cada vez menos se fala dos migrantes que ainda permanecem na cidade e que mantêm a esperança de chegar ao Reino Unido.

Mathilda Della Torre é uma designer francesa que vive no Reino Unido — e, sempre que pode, faz voluntariado em Calais. Frustrada com a representação "desumana" dos migrantes nos media, começou, em Outubro de 2019, o projecto Conversations from Calais numa tentativa de “re-humanizar os migrantes ao mostrar conversas mais íntimas e banais” que ela própria e outros voluntários tiveram com refugiados. O objectivo era fugir dos retratos habituais — de vilões, heróis ou vítimas que temos de salvar — para mostrar que são pessoas individuais, com personalidades e histórias diferentes, merecedoras de empatia.

O conceito é simples, preto no branco, sem nada que possa distrair, “sem títulos ou imagens, porque é apenas sobre as palavras e as histórias”, explica Mathilda ao P3. As conversas estão escritas na segunda pessoa, como se o leitor estivesse a contar directamente a história. Começou como algo natural, visto que as primeiras histórias foram apontamentos de conversas de Mathilda. Mas, com a evolução do projecto, através da submissão de conversas de outros voluntários, foi uma característica que manteve para “colocar o refugiado no início e no centro da história”. Desta forma, é possível também que o leitor sinta que faz parte da história e “a responsabilidade do que é dito e feito”.

O projecto retrata uma área geográfica muito específica mas já se espalhou pelo mundo. Mathilda colou o primeiro poster em Dover, no Reino Unido, a cidade mais próxima do Canal da Mancha (isto é, o local onde os migrantes chegam). Nunca esperou atrair tanta atenção. Contudo, actualmente, os posters já foram colados em 60 cidades de cinco continentes. Já foram traduzidos em várias línguas, incluindo português, francês, alemão e italiano. Mathilda diz que o projecto deixou de ser seu “a partir do momento que é colado na parede”. Criou-o, sim, mas é um movimento colaborativo que se propaga através das redes sociais, principalmente no Instagram, que criou para servir de “arquivo do projecto”.

Qualquer pessoa que queira participar pode fazer o download dos posters no site, onde existe um manual para os aplicar, pode também ajudar na tradução dos mesmos. Qualquer voluntário, actual ou antigo, de Calais pode submeter as suas histórias. Para além disso, existe uma lista de organizações relacionadas com a temática dos refugiados no site. “Espero que as pessoas consigam ver humanidade nas palavras, relacionar-se e envolver-se em projectos que ajudem”, confessa Mathilda.