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As vidas desfeitas dos suspeitos de “actos homossexuais” na Nigéria
Por volta das 2h da madrugada de um domingo, os polícias entraram armados pela festa adentro. Quase dois anos depois, a polícia nigeriana ainda não divulgou o que os agentes viram durante a rusga que levou 57 homens a serem detidos por acusações de demonstrações de afecto públicas com pessoas do mesmo sexo. Em segundos, a festa de aniversário em Julho de 2017 num hotel em Lagos, na Nigéria, transformou-se numa debandada. O aniversariante, James Burutu, estava a preparar-se para a celebração dos 24 anos num quarto do hotel e não foi detido. Diz que, desde aí, "vive cheio de culpa".
Mas, com ou sem pena de prisão, os homens, semanas depois libertados, já foram castigados. Além de rejeitada por lei, a homossexualidade também não é aceite pela maior parte da sociedade do país cristão e muçulmano, o que pode ir desde olhares na rua até à morte por apedrejamento, ao abrigo da lei de Sharia. Muitos dos homens, que viram a sua identidade revelada em vídeos e fotografias, perderam o emprego, a família, a casa onde viviam. Estas são as histórias das vidas estragadas por uma festa de anos tardia em Lagos — e por uma cultura que deixou os homens à deriva.
Imohimi Edgal, o comissário local da polícia, disse numa conferência de imprensa em Agosto de 2018 que tinha sido ele a ordenar a rusga, seguindo uma dica que dizia que jovens nigerianos estariam a ser iniciados num "clube de homossexualidade". Edgal declarou que a homossexualidade ia contra o Acto de Proibição do casamento de pessoas do mesmo sexo. "É dever de toda a gente, não só da polícia, assegurar que tamanho comportamento anti-social, tais crimes e vícios sociais, são verificados", disse, à porta do supremo tribunal federal de Lagos.
Os homens tentavam esconder as caras, mas as câmaras de televisão procuravam expressões de vergonha, medo ou raiva. A maior parte nada disse, mas alguns responderam a perguntas dos jornalistas. "Qual é a definição de gay? É quando és apanhado a ter sexo com um homem. Eles não me apanharam", gritou Hames Brown, que disse ter sido convidado para dançar numa festa de aniversário.
Em Novembro de 2019, Brown foi um dos 47 detidos que se afirmaram inocentes. Foram emitidos mandados de captura para os dez homens que não apareceram em tribunal. O caso histórico pode finalmente chegar a uma resolução em Março. As penas de prisão por suspeita de "actos homossexuais" podem chegar aos 14 anos, apesar da lei que entrou em vigor em 2014 ter gerado reprovação internacional e nunca ter sido usada assegurar uma condenação. Em alguns dos estados do país, pode estar prevista a pena de morte.
Um dos homens acusados, casado com uma mulher e pai de quatro filhos, diz que estava a trabalhar como taxista como forma de ganhar dinheiro extra no fim-de-semana e que nada tinha a ver com a festa. Mesmo sem luz na casa, cortada depois de Onyeka Oguaghamba, 42 anos, ter perdido o emprego, a tensão entre ele e a esposa era visível pelo jornalista da Reuters. "Eles partilharam as minhas fotografias e vídeo nas redes sociais. É uma coisa muito vergonhosa", disse.