Queixa de agressão por polícia: “Estavam a espancar uma mulher na praça pública”
“Não veria aquilo tipo de violência com uma portuguesa ou uma alemã”, afirma Taiane Barroso, que quis defender mulher que estava no chão. PSP disparou um tiro em pleno centro de Lisboa, mas vídeo não permite perceber a razão. Em comunicado, a PSP diz que “foi necessário repor a ordem para desobstruir a via”.
Era domingo e tinha estado a celebrar. Primeiro com um grupo brasileiro, depois num bar no Cais do Sodré, o Boteco da Dri. Ali encontrou amigos, dançou e ouviu música. Era um dia tranquilo de festa, sol e Carnaval. “Estava super feliz”, conta Taiane Barroso, de 31 anos, uma brasileira que vive em Portugal há dois anos e meio. “Até o pesadelo da noite” começar.
Pelas 22h30 começam a chegar à zona do Cais do Sodré “pelo menos duas” carrinhas de intervenção rápida da PSP, “com cerca de 20 homens”. Na Rua da Cintura do Porto de Lisboa abre-se um “clarão” entre as pessoas para os carros passarem. Havia muita gente, eram centenas, calcula. Os agentes começaram a empurrar as pessoas para o beco. Passavam mais autocarros, e a polícia continuou a desobstruir a estrada, relata. Segundo um comunicado enviado pela PSP, foram chamados ao local por causa de distúrbios na via pública.
“Comecei a ouvir: ‘larga ela’”, conta ao PÚBLICO Taiane Barroso, que é editora no jornal Rosa, da Associação Renovar a Mouraria. Ela era uma mulher jovem e que “estava no chão com polícias à volta, imobilizada, dois agachados e mais à volta, olhando”, afirma. “Cheguei correndo, passei entre os policiais, abracei-a e prendi-a no meu braço. Vi que tinha sangue na perna, estava o tempo inteiro a proteger o rosto dela”. Taiane Barroso acrescenta: “Eu entrei [para a defender] e é o que se vê no vídeo.”
O que se vê nesse vídeo que andou a circular nas redes sociais esta segunda-feira? Taiane Barroso a ser agarrada por um agente da Unidade Especial de Polícia, que a tenta manietar com um bastão encostando-o com força no pescoço dela. Esse mesmo agente empurra-a e ela cai no chão. Depois ela levanta-se. A dada altura estão uns quatro ou cinco agentes à volta das duas mulheres.
Um dos agentes, que terá um papel de liderança na equipa, dá um tiro para o ar, enquanto outro arrasta Taiane Barroso pelo braço. Nas imagens, não se percebe o que terá motivado o tiro. Algemam a outra mulher. Taiane Barroso nem se apercebeu que tinha sido disparado um tiro. Viu que a jovem tinha sangue.
Segundo um comunicado da PSP, o tiro foi disparado para “cessar os comportamentos hostis e efectuar a detenção” da mulher, que acusam de ter agredido um polícia. A PSP admite que “da detenção resultaram ferimentos” na mulher e que esta foi conduzida ao hospital. Seria notificada para comparecer no tribunal.
Ao que o PÚBLICO apurou, a mulher terá ficado com uma fractura na cabeça provocada por uma pancada de um agente. Questionada sobre esta informação, até agora a PSP ainda não respondeu. No comunicado, admite uso da força para manietar a mulher.
“Foi necessário repor a ordem para desobstruir a via, recorrendo ao uso da força para fazer dispersar as pessoas”, justifica a PSP, acrescentando que, durante a intervenção, uma mulher agrediu um polícia, “razão pela qual foi manietada e detida”. As autoridades explicam que durante a intervenção policial tiveram de efectuar “um disparo de advertência para o ar, em segurança”, para permitir “cessar os comportamentos hostis e efectuar a detenção” da mulher.
“Nem me apercebi do que estava acontecendo, só queria que não levassem ela. Estava a tentar apenas segurar a menina.” Taiane Barroso saiu dali com o amigo. Só ao final do dia desta segunda-feira é que descobriu quem era a mulher: diz que é brasileira, teve uma fractura na cabeça e precisou de ser suturada com seis pontos. Não quer ser identificada.
O amigo de Taiane que estava a filmar seria também agredido com um bastão. Ela sentou-se no chão. “Chorei, chorei, chorei.” Uma outra testemunha que quis anonimato referiu que a polícia tinha atirado de forma gratuita para “mais de uma centena de foliões pacíficos e multiculturais”. E “diante de nossos olhos, obviamente de forma gratuita, e ao tentarmos defendê-las, o policial atirou ao alto e fomos afastados com ameaças com cacetetes”.
Taiane seguiu tentando acalmar-se. O amigo mostrou-lhe o que tinha filmado. Ficou “super chocada”, não tinha ideia “da violência” que acontecera. E ficou a pensar na mulher que estava estendida no chão. “Estou mais preocupada em achar essa menina e ver se ela sofreu alguma coisa.” Já fez vídeos no Facebook para tentar encontrá-la.
Taiane Barroso ficou com um inchaço no braço. E hoje tem medo. “Do nada, isto parece o Brasil. Aqui é uma cidade segura, mas começo a ficar paranóica com essa banalização da violência. Principalmente depois do caso da Cláudia Simões. É assustador. Não posso dizer que foi directamente ligado a racismo ou xenofobia, sei que foi uma violência misógina. Foi tremendamente desproporcional ter cinco homens em cima de uma menina: estavam a espancar uma mulher na praça pública, com umas trezentas pessoas, numa festa em que 90% das pessoas eram brasileiras. Não veria aquilo tipo de violência com uma portuguesa ou uma alemã.”
Taiane Barroso já foi à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) fazer denúncia, ia ao hospital por causa do braço e planeia entregar uma queixa ao Ministério Público na quarta-feira.