No Dia Mundial da Língua Materna
O Dia Mundial da Língua Materna 2020 terá como tema “Línguas sem fronteiras” e será dedicado ao diálogo pacífico e ao desenvolvimento de sociedades inclusivas. Não se trata de nos fecharmos numa língua, mas tomarmos o plurilinguismo e a compreensão intercultural como um modo de construção da cidadania global. É esse o maior desafio.
As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo.
Ludwig Wittgenstein
Em 21 de fevereiro de 1952, um grupo de estudantes e ativistas em Bengala Oriental, atual Bangladesh, enfrentaram os militares paquistaneses reivindicando que a língua bengali fosse reconhecida como oficial. Essa data ficou conhecida como o ‘Dia dos Mártires da Língua’ e a luta travada muito contribuiu para a criação do estado soberano do Bangladesh, que se separou do Paquistão em 1971.
E, no entanto, o bengali possuía uma longa tradição literária e até um Prémio Nobel, atribuído em 1913 a Rabindranath Tagore, o primeiro escritor asiático a receber essa distinção, tendo os seus trabalhos contribuído para o reconhecimento do bengali. Hoje é a língua oficial do Bangladesh e tem cerca de 265 milhões de falantes. Acima de tudo, transformou-se num símbolo do direito à língua materna como parte dos direitos humanos, o que levou a UNESCO, em 1999, a estabelecer a data de 21 de fevereiro como Dia Mundial da Língua Materna.
Trata-se de assinalar um direito fundamental, mas também chamar a atenção para as línguas em desaparecimento. A mais conceituada plataforma de estatísticas das línguas, Ethnologue (2019), indica a existência de 7111 línguas no mundo, das quais 2895 são faladas por menos de 1000 pessoas, o que as coloca em perigo de extinção. Aliás, a cada duas semanas, desaparece uma língua e com ela se perde uma parte de conhecimento ancestral e um fragmento da diversidade humana.
Em 21 de fevereiro de 2018, a diretora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay, alertava: “Uma língua é muito mais do que um meio de comunicação: é a condição mesma da humanidade. Nela se sedimentam os nossos valores, as nossas crenças, a nossa identidade. Graças a ela transmitem-se as nossas experiências, as nossas tradições e os nossos saberes. A diversidade das línguas reflete a riqueza irredutível dos nossos imaginários e dos nossos modos de vida.”
Fernando Pessoa reivindicava a língua portuguesa como sua pátria e Virgílio Ferreira dizia: “Da minha língua, vê-se o mar.” Trata-se de formas próximas de exprimir a ideia de Wittgenstein sobre as fronteiras da nossa linguagem. Somos as línguas que falamos.
Os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, consignados na Agenda 2030, não se limitam a reivindicar a necessidade de preservar o planeta, mas também o que nos carateriza como humanidade. Tal como vemos avançar as alterações climáticas, as tendências para a uniformização levam a apagar os traços distintivos das culturas, assim como à tentação do monolinguismo. Somos sensíveis ao desaparecimento do património e, por isso, à necessidade da sua preservação, mas a salvaguarda das línguas em extinção parece pouco relevante até essas perdas se aproximarem de nós. Atualmente, 40% da população do planeta não tem acesso a uma educação numa língua que falem ou compreendam.
É por isso que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável dedicado à Educação (ODS4) reivindica a diversidade linguística e o plurilinguismo como parte integrante de uma educação inclusiva e de qualidade. Cada vez mais existe uma consciência da importância de um ensino plurilingue que inclua a língua materna, sobretudo nas crianças em idade pré-escolar.
Sabemos que os contextos educativos são hoje muito diversos e as mobilidades representam um desafio acrescido para os países de acolhimento que têm de desenvolver estratégias de ensino plurilingue.
A Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura – OEI atua há 70 anos numa larga região caraterizada pela convivência entre línguas de origens muito diversas. A Carta Cultural Ibero-americana, aprovada em 2006 pelos 23 Estados-membros que integram a OEI, destaca a importância de reforçar o conhecimento e o valor da diversidade cultural ibero-americana no quadro dos sistemas educativos, garantindo que os planos de estudos incorporem as línguas das comunidades indígenas, os seus valores e saberes com pleno reconhecimento social, cultural e normativo. Cada vez mais a região tem consciência de que o seu futuro passa por uma educação intercultural bilingue que permita a igualdade entre todos, mas também desenvolva a criatividade e uma visão poliédrica do mundo, competências fundamentais para o século XXI. Da mesma forma, em Portugal tem vindo a ser desenvolvido um programa de salvaguarda do mirandês que nos enriquece como comunidade.
O Dia Mundial da Língua Materna 2020 terá como tema “Línguas sem fronteiras” e será dedicado ao diálogo pacífico e ao desenvolvimento de sociedades inclusivas. Não se trata de nos fecharmos numa língua, mas tomarmos o plurilinguismo e a compreensão intercultural como um modo de construção da cidadania global. É esse o maior desafio.
As autoras escrevem segundo o novo acordo ortográfico