PPP de Medina e Costa: mudar as regras é mau sinal
O BE é claro: faz mal Fernando Medina em insistir no confronto com o Tribunal de Contas e fez mal António Costa em alterar a lei das PPP para libertar Medina do escrutínio do tribunal.
Há uma crise gravíssima na habitação e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa acordou tarde para essa realidade. Medina está com dificuldades na construção e reabilitação de novas habitações e o seu programa de Renda Acessível em formato PPP foi parado pelo Tribunal de Contas.
Assim, Fernando Medina e Rui Moreira juntaram-se há semanas numa conferência de imprensa para pressionar o Tribunal de Contas relativamente aos seus projetos de parcerias público-privadas (PPP) para habitação. Já em Março de 2019, os presidentes da câmara de Lisboa e do Porto tinham anunciado que iriam realizar uma ofensiva jurídica ao Tribunal de Contas.
Mas de onde vem esta ofensiva? Em Janeiro do ano passado o Tribunal de Contas justificou a sua recusa do visto prévio ao Projeto de Renda Acessível - Pilar Concessões da Câmara de Lisboa na Rua de São Lázaro com o argumento de que o contrato configurava uma PPP, sujeita a um regime legal específico e regras de controlo financeiro mais apertadas, que não foram cumpridas no contrato proposto pelo município. Algo semelhante acontece no Porto, com um projeto de Rui Moreira para o “Matadouro”.
O Tribunal de Contas, ao tomar esta decisão, veio dar razão ao Bloco de Esquerda: o Programa de Renda Acessível - Pilar Concessões é uma PPP e - acrescentou o Tribunal - tinha “vantagens contratuais” para os privados e “uma repartição de riscos desfavorável para o ente público”. A lógica de Medina é a seguinte: os privados constroem em terrenos públicos e ficam com a renda acessível de 70% do prédio. Mais ainda, ficam com 30% das frações para venderem ao preço que quiserem, alimentando a especulação imobiliária. Esta PPP é uma dupla renda aos privados, com prejuízo para o Estado, ou seja, todos os lisboetas.
Acontece que Fernando Medina não desistiu e, para além de recorrer da decisão, tem-se multiplicado em comunicados e conferências de imprensa a confrontar o tribunal. É absolutamente inaceitável que qualquer presidente de câmara decida confrontar publicamente um órgão de soberania constitucionalmente consagrado enquanto o órgão supremo de fiscalização unilateral da legalidade das despesas públicas que obedece a princípios de independência e de sujeição à lei e que, nessa qualidade, é um pilar do Estado de Direito Democrático.
Para além disso, agora surge o favor. António Costa alterou há semanas a Lei das PPP para garantir que os novos projetos de Fernando Medina não são apanhados no crivo do Tribunal de Contas como tal. Mariana Abrantes de Sousa, uma das mais experientes especialistas portuguesas em PPP, já veio dizer que “nova lei das PPP facilita o descontrolo” nas contas públicas. O favor de António Costa a Fernando Medina vai pagar-se caro e os portugueses têm má memória de várias PPP ruinosas para o Estado.
Agora, Costa e Medina repetem a receita e o Orçamento do Estado para 2020 alterou a lei para deixar as compras de imóveis para Renda Acessível de Lisboa fora dos vistos prévios do Tribunal de Contas.
A transparência e a legalidade são inegociáveis e não se mudam as regras do jogo para ser mais fácil jogar. Por isso, o Bloco de Esquerda desde o primeiro momento alertou para o quão errada esta opção é.
As PPP têm sido, desde a sua criação, um negócio ruinoso para o Estado e um garante fácil de rendimento para os privados. Da saúde à rodovia, os valores gastos em PPP são elevadíssimos. Os últimos dados do boletim trimestral da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (sobre o 4.º trimestre de 2018) indicam que “relativamente ao ano de 2018, verifica-se que os encargos líquidos do setor público com as PPP ascenderam a cerca de 1678,5 milhões de euros (…)”.
Discordando desde o seu início do modelo PPP, não é possível deixar passar sem nada dizer um decreto-lei que aumenta a falta de escrutínio (que já é diminuto) e potencia mais negócios ruinosos, especialmente em áreas que deveriam estar protegidas da especulação e do apetite dos privados.
O Bloco de Esquerda é claro: faz mal Fernando Medina em insistir no confronto com o Tribunal de Contas e fez mal António Costa em alterar a lei das PPP para libertar Medina do escrutínio do tribunal.
A crise na habitação em Lisboa tem solução com o novo Programa de Renda Acessível - Pilar Público, garantido pelo Bloco de Esquerda no seu acordo de governação municipal com o Partido Socialista. Este programa é, na verdade, o único que mostra frutos e deve manter o escrutínio do Tribunal de Contas. Portanto, é tempo de sermos sérios. Há uma proposta que funciona, a que foi acordada entre Bloco e PS. Essa deve ser a aposta da Câmara de Lisboa para poder disponibilizar milhares de casas que as famílias podem pagar. Disso depende o futuro de quem vive em Lisboa que está a ser expulso pelos preços especulativos das habitações. É assim que resolvemos a crise da habitação, não é alterando as regras das PPP e confrontando órgãos de soberania independentes.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico