Não existem dietas “yo-yo”, existem pessoas “yo-yo”
Serão as dietas “yo-yo” que promovem um emagrecimento rápido mais ineficazes do que as dietas mais convencionais na perda de peso e na sua manutenção a longo prazo?
“Nunca consegui controlar o meu peso, andei sempre em dietas ‘yo-yo’”. Muitas consultas começam com esta frase, o que é um péssimo sinal como vamos perceber adiante.
Não existe propriamente uma definição do que é uma dieta “yo-yo”. Ainda assim, as dietas que ganham este rótulo possuem por norma uma fase inicial de emagrecimento rápido (a chamada fase cetogénica com forte restrição de hidratos de carbono), seguidas de uma fase de transição e manutenção desse peso perdido. O pretexto é que após o término dessa dieta e a reintrodução dos hidratos de carbono, todo esse peso será inevitavelmente recuperado e a pessoa sairá deste processo bem pior do que entrou. Este pensamento parte sempre do pressuposto de que a fase cetogénica é, por um lado, obrigatória e, por outro, apenas possível com produtos processados (o que nem sempre é verdade). E que o processo de reeducação alimentar pós fase cetogénica falha por continuar a ser demasiado restritivo e pouco flexível e monótono (algo que já dependerá da capacidade do nutricionista flexibilizar o plano alimentar).
Serão então estas dietas “yo-yo” que promovem um emagrecimento rápido mais ineficazes do que as dietas mais convencionais na perda de peso e na sua manutenção a longo prazo? O que nos diz a ciência? Diz que para além de não serem menos eficazes, podem até promover melhores resultados quer a curto quer a longo prazo. Pessoas que no primeiro mês perdem 2 a 4% do seu peso corporal ou mais de 4% têm maior probabilidade de perder mais de 5% do seu peso 8 anos após a dieta, do que pessoas que perdem apenas 2% do seu peso no primeiro mês. Pessoas que perdem em média 13,5kg nos primeiros 6 meses, conseguem ter uma perda de peso superior aos 18 meses, em comparação com pessoas que apenas perderam 3,7kg no primeiro semestre de dieta. Pessoas que perdem menos de 2% do peso corporal no 1.º mês de dieta, têm uma probabilidade 6 vezes menor de perder 10% do peso ao final de um ano, em comparação com pessoas que perdem mais do que 2% do peso no 1.º mês. Uma meta-análise recente, revela que a perda de peso atingida com uma dieta cetogénica permaneceu estável nos dois anos seguintes, algo que sabemos bem que não acontece com todas as pessoas.
A questão essencial é que o reganho de peso tanto pode acontecer com uma dieta cetogénica como com uma dieta “convencional”. Outro estudo interessante constatou que independentemente da perda de peso ter ocorrido de forma rápida ou lenta (15% de peso perdido em 12 ou 36 semanas), a percentagem de pessoas que reganhou esse peso 2 anos e meio depois foi exactamente igual entre os dois grupos, não sendo o único estudo a dizer isso. Outro factor a ter em consideração é que os programas de perda de peso que instituem uma fase de perda de peso rápida possuem igualmente um acompanhamento mais regular com consultas semanais ou quinzenais, sendo que uma maior frequência de consultas está igualmente associada a melhores resultados na perda de peso e na diminuição do seu reganho.
Se a ciência não corrobora então esta visão negativa do emagrecimento rápido, de onde virá este preconceito? Por um lado, dos próprios nutricionistas, porque em grande parte dos casos só lhes foi ensinada uma forma de emagrecer (retirando 500kcal por dia às necessidades energéticas) e com uma distribuição padrão de macronutrientes (os famosos “50-30-20” referentes a hidratos de carbono, gordura e proteína) e tudo o que fuja desse âmbito é considerado uma heresia nutricional.
Por outro lado, é o reflexo de um efeito de selecção que por norma existe neste tipo de dietas. Ou seja, são as pessoas com mais tendência a ter estas variações no peso e esse comportamento dicotómico na alimentação (e consequente dificuldade em manter o peso a longo prazo), que são mais atraídas por soluções que visam o emagrecimento rápido e slogans milagrosos. Muitas vezes em consulta, após a avaliação inicial do paciente, é o próprio nutricionista a ter a sensibilidade de sugerir um processo de reeducação alimentar e emagrecimento mais lento (por alguma contra-indicação presente para uma fase cetogénica ou por considerar que o paciente não tem perfil comportamental para lidar com uma restrição tão grande e que irá abandonar ao fim de pouco tempo), e é o próprio paciente a insistir em fazer a fase cetogénica pois “tem pressa” ou tem “muito peso para perder”.
Quando na chegada do Inverno/Natal o número de consultas diminui e a taxa de não-presença às mesmas aumenta (mesmo quando são confirmadas telefonicamente na véspera), a culpa não é da dieta, é da pessoa que nem sequer tem a consideração de avisar o profissional de saúde (que a está a tentar ajudar) de que irá faltar. Quando na consulta as primeiras frases são “andei sempre naquelas dietas ‘yo-yo’ mas depois recuperei sempre o peso perdido”, externalizando totalmente a responsabilidade, é sinal de que muito provavelmente a maturidade e assertividade exigida a um processo de perda de peso ainda não está atingida.
É certo que existem dietas muito restritivas feitas durante demasiado tempo com proibição de alguns alimentos que podem potenciar esses ciclos viciosos no peso, da mesma forma que existem nutricionistas com pouca empatia e capacidade de motivação, mas tais problemas são transversais a todos os tipos de dieta. É possível emagrecer sem reeducação alimentar, mas não é possível manter o peso perdido e construir uma relação saudável com a comida e com o corpo sem esse processo. Se no processo de emagrecimento a dieta tem mais ou menos açúcar, mais ou menos produtos processados é pouco relevante. Como se diz na gíria desportiva, “não existem golos feios”, o que importa é que seja eficaz.
Se fosse fácil perder peso sempre a comer de forma “saudável” com gelatinas light, cereais sem açúcar, tortilhas de milho ou arroz, bolachas Maria, torrada ou de água e sal e com uma longuíssima lista de alimentos proibidos, então toda a gente o conseguiria. Acontece que não é. E não o é, precisamente por este fundamentalismo de que o emagrecimento apenas pode ser conseguido à custa de alimentos “saudáveis”. Como se o emagrecimento já não fosse em si mesmo saudável. Como se pessoas totalmente frustradas por inúmeras tentativas de emagrecimento falhadas ainda tivessem paciência para voltar os mesmos alimentos que sempre viram em planos alimentares. Há até quem seja racional ao ponto de comer com algum à vontade durante o ano (não se confunda “à vontade” com “à vontadinha”) e 15 dias ou 1 mês antes de ir de férias, recorre a uma destas dietas “yo-yo” para perder esses 2 ou 3 kg que faltam. Fazem-no conscientemente e com a perspectiva certa de que estão perante um “tratamento” que é eficaz. Não é assim que comem o ano inteiro, mas quando necessitam recorrem a essa alternativa
É possível fazer uma cetogénica com alimentos frescos, pois ovos, queijo, carne/peixe, legumes, frutos gordos e até alguma fruta (quando bem geridas as quantidades) são permitidas nesse plafond máximo de 50g de hidratos de carbono diários. Os produtos processados são úteis devido à sua conveniência no transporte de proteína (convenhamos que é mais fácil andar com um batido ou uma barra atrás, do que com uma lata de atum, marmita ou iogurte de comer à colher), ao seu sabor (porque geralmente são doces) e à sua capacidade de “imitar” alimentos tradicionalmente ricos em hidratos de carbono como bolachas, tostas, pão, batatas fritas, cereais e chocolates (e há pessoas que não conseguem viver sem eles). Mesmo recorrendo à velha e não recomendável técnica de uma dieta com 100% de alimentos processados, é preciso pensar que não é isso que vai acontecer para o resto da vida e que essa é uma fase transitória que terá um início e um fim. Também não deixa de ser irónico que pessoas com excesso de peso e obesidade coloquem grandes entraves e se obstaculizem a este tipo de produtos. É que certamente para chegarem ao peso que chegaram não foi à custa de fruta e legumes biológicos e de uma alimentação isenta de “químicos e aditivos”.
Em suma, é um pior status psicológico de base (associado a um maior score de depressão e binge eating), o maior predictor para as variações de peso, independentemente da dieta escolhida. O que caracteriza as pessoas que conseguem manter o peso perdido é justamente uma maior perda de peso inicial (e o consequente boost motivacional), atingir o objectivo de peso auto-determinado, ter um estilo de vida activo, ter uma maior motivação intrínseca, mais força e estabilidade emocional, maior suporte social e melhor gestão do stress. Por isso, da próxima vez que tentar emagrecer, escolha o ritmo com que quer começar pois sendo de forma mais rápida ou mais lenta, a eficácia pode ser a mesma. E fundamentalmente escolha o nutricionista e o psicólogo que lhe geram mais empatia, segurança e flexibilidade para que o seu comportamento alimentar seja o reflexo de alguém em paz com os seus “erros” e “escapadelas” e não em constante conflito e compulsão.