Coligações negativas, fama e proveito
Assim de repente, parece-me que seria mais compreensível que o PSD de Rui Rio estivesse ao lado do PCP e do BE na actualização das tabelas de IRS à taxa de inflacção em vez de andar a fazer contas no joelho sobre contrapartidas para a baixa do IVA da electricidade.
O diálogo que supostamente mantém com Rui Rio “é mais fama do que proveito”, desabafava António Costa, no início desta semana, em entrevista ao Jornal de Notícias. Parece que sim, a avaliar pela discussão em curso do Orçamento do Estado (OE) para 2020, em que o PSD pôs ontem o Governo à beira de um ataque de nervos com a ameaça de descida do IVA da electricidade.
O Governo estava confiante que o OE seria aprovado sem grandes problemas e a verdade é que os votos para viabilizar o documento surgiram ainda antes da maratona de votações começar. Havia, pois, tranquilidade. Mas Costa sentiu ontem, e anteontem, na pele uma amostra das coligações negativas inesperadas que ensombraram Sócrates em 2009, quando sujeitou a votos o seu primeiro Orçamento sem maioria absoluta.
Vejamos algumas das coligações negativas que se formaram:
- Fim da rede circular do Metro de Lisboa
- Fim das cativações no INEM, ADSE, Infarmed e Entidade Reguladora da Saúde
- Possibilidade das micro e pequenas empresas poderem usar créditos fiscais para abater pagamentos, ou seja, aquando do pagamento de obrigações tributárias, as empresas que detenham créditos junto do Estado poderão fazer simplesmente um acerto de contas com o Estado.
- Criação de gabinetes de acolhimento ao cuidador informal
Algumas destas coligações têm um destinatário: Mário Centeno e o seu superávit. Mas se virmos com atenção, houve também situações curiosas em que o PSD, que tentou fazer voz grossa com a posição sobre o IVA da electricidade, acabou por dar a mão ao PS, evitando, nas palavras dos socialistas, despesa acrescida:
- Maior aumento de pensionistas
Primeiro, o PSD votou a favor, ao lado dos partidos mais à esquerda, de um aumento de dez euros para todos os pensionistas com pensões acima de 1,5 vezes o Indexante de Apoios Sociais, mas acabou por recuar, permitindo o seu chumbo. - Complemento Solidário para Idosos
O mesmo aconteceu com o Complemento Solidário para Idosos (CSI). PSD votou favoravelmente a proposta do PCP de retirar todos os rendimentos dos filhos do apuramento do Complemento Solidário para Idosos (CSI), mas depois corrigiu o seu sentido de voto. Apenas ficarão de fora nos dois escalões de rendimentos mais baixos. - Actualização das tabelas de IRS à taxa da inflacção
O PCP tentou mas não conseguiu. PSD juntou-se ao PS e ajudou a travar a a actualização das tabelas de IRS ao valor da inflacção, permanecendo assim o aumento de 0,3% previsto pelo Governo. - Apoio a professores deslocados
A proposta para a criação de um apoio aos docentes deslocados, apresentada pelo PEV, foi chumbada com os votos contra do PS, do PSD e do CDS e com a abstenção da Iniciativa Liberal. - Contabilização integral de todo o tempo de serviço congelado
Depois da confusão com os professores na anterior legislatura, o PS teve agora sem problemas a ajuda do PSD para inviabilizar a contabilização integral de todo o tempo de serviço das carreiras e corpos especiais para efeitos de progressão na carreira. - Reforço da Polícia Marítima, do SEF e das autarquias
Foi a abstenção do PSD que permitiu o chumbo das propostas de contratação de 50 agentes para a Polícia Marítima (do PCP), vinculação dos trabalhadores contratados a termo nas autarquias locais (do PCP), reforço do número de psicólogos nas forças de segurança, nos serviços de emergência médica e nos serviços de protecção e socorro (do Chega e do PEV) e contratação de psicólogos para os serviços prisionais (PEV).
Assim de repente, parece-me que seria mais compreensível que o PSD de Rui Rio estivesse ao lado do PCP e do BE na actualização das tabelas de IRS à taxa de inflacção em vez de andar a fazer contas no joelho sobre contrapartidas para a baixa do IVA da luz.