Creches, pensões e IRS: as últimas alterações ao Orçamento (e o que implicam para a sua vida)
Das creches gratuitas aos passes sociais, aumento das pensões ou a nova redução no IRS para casais com mais de três filhos, são muitas as medidas aprovadas na discussão do Orçamento do Estado para 2020 que podem mexer na carteira dos contribuintes.
A discussão do Orçamento do Estado de 2020 na madrugada desta quarta-feira trouxe algumas novidades e já há certezas sobre várias medidas que podem ter impacto no dia-a-dia dos cidadãos (e nas suas carteiras), como as creches gratuitas para crianças até aos três anos, a subida no IVA das touradas, o aumento das pensões ainda antes de Agosto, a contratação de mais polícias ou o reforço no combate à vespa-asiática. O PÚBLICO fez uma selecção de algumas das propostas aprovadas que mais impacto podem vir a ter na vida dos contribuintes.
Creches gratuitas para crianças até aos três anos (até 2023)
As crianças com menos de três anos que estejam integradas no primeiro escalão do regime de comparticipação familiar terão acesso gratuito às creches. Depois da votação da madrugada de quarta-feira, o PSD apercebeu-se de que se tinha enganado e que tinha votado favoravelmente para permitir creches gratuitas para todos – e mudou o sentido de voto de favorável para abstenção. Foi também aprovada a proposta do PCP e do PS que prevê para este ano “a regulamentação do complemento creche que comparticipe o custo com creche a partir do segundo filho”, mas sem definir percentagens.
Tarifa social da energia para desempregados
Os desempregados poderão agora beneficiar da tarifa social na energia durante este ano, mas não foi especificado qualquer prazo. A proposta do PAN foi votada a favor pelo PS, BE, PCP, Chega e IL. Além dos desempregados, beneficiam desta tarifa social os agregados familiares “que, não beneficiando de qualquer prestação social, apresentem um rendimento total anual igual ou inferior a 19.050 euros, acrescido de 50% por cada elemento do agregado familiar que não tenha qualquer rendimento”. Para o acesso à tarifa social para o gás natural, as condições são as mesmas da energia eléctrica.
Mais verbas para passes sociais
Para financiar os passes sociais reduzidos durante este ano (que já tinha sido acordado com o Governo), o PCP e o Bloco viram a sua proposta aprovada para o reforço em nove milhões de euros destas verbas. Ao invés dos 129,7 milhões de euros que a proposta de Orçamento do Estado do Governo queria destinar ao Fundo Ambiental para financiamento do PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária), terá de consignar 138,6 milhões de euros a essa finalidade. Apesar de estar favorável à medida anterior, o PS votou contra os reforços de verbas que o Bloco e o PCP queriam alocar para financiar a articulação tarifária no transporte intermodal e inter-regional.
Pensões de não residentes taxadas a 10%
Em vez de beneficiarem de uma isenção total do IRS, as pensões pagas no estrangeiro serão tributadas em 10%. O PS contou com os votos do PSD para conseguir aprovar as alterações às regras do regime fiscal aos residentes não habituais (RNH) relativamente ao IRS que se aplica aos pensionistas que decidirem sair dos seus países para viverem em Portugal. Contra as mudanças estiveram o CDS-PP, IL e PAN; o BE, o PCP e o Chega abstiveram-se. A taxa será fixa, ou seja, será a mesma para um rendimento alto ou um rendimento médio, por exemplo. Quem já é residente não habitual – ou seja, quem beneficia da actual isenção de IRS (0%) — e quem se inscreva até à entrada em vigor do novo regime continuará a beneficiar desta vantagem até ao fim dos dez anos de duração do incentivo fiscal.
Criação do Laboratório Nacional do Medicamento
A proposta do PCP é antiga – foi chumbada há um ano no plenário –, mas só agora foi aprovada a criação do Laboratório Nacional do Medicamento. Irá suceder ao actual Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos e será dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio. O seu objectivo é contribuir para o desenvolvimento da investigação e produção de medicamentos, assim como de dispositivos médicos e outros produtos de saúde, “diminuindo a dependência do país em face da indústria farmacêutica e afirmando a soberania nacional nessa área”.
Nova redução no IRS para casais com mais de três filhos
Os pais que tenham dois ou mais filhos passarão a beneficiar de deduções de IRS maiores a partir do segundo filho. A nova dedução de 900 euros aplicar-se-á a partir do segundo filho, independentemente da idade do primeiro. Na prática, um casal com dois filhos — em que um tenha oito anos e o outro dois anos, por exemplo — terá uma dedução de IRS de 600 euros relativamente ao mais velho e de 900 euros relativamente ao segundo dependente. A proposta não teve votos contra, mas PCP, IL e Chega abstiveram-se.
Dispositivos de insulina vão ser grátis
Os diabéticos passarão a ter acesso gratuito ao dispositivo e à insulina (desde que tenham indicação médica). Ao todo, foram aprovadas três propostas (a que o PS votou contra) que permitem a disponibilização gratuita da terapêutica com sistema de perfusão contínua de insulina a pessoas com diabetes tipo 1. Além da gratuitidade para maiores de 18 anos – as bombas de insulina já são dadas a menores –, o PCP propõe que as mulheres com diabetes que estejam grávidas ou em preconcepção também recebam a terapêutica.
Combate à vespa-asiática
Uma das medidas aprovadas foi o reforço até cinco milhões de euros do Fundo Florestal Permanente para apoio no controlo da vespa-asiática (ou Vespa velutina), destinando-se sobretudo a apoiar os municípios mais afectados pela invasão desta espécie de vespa, assim como territórios para onde seja provável que se proliferem. O apoio financeiro consiste num subsídio de 20 mil euros, obtido mediante candidatura. A este valor podem somar-se 15 euros por cada ninho “primário ou definitivo/colónia destruída no ano transacto, com registo na plataforma SOS Vespa”. A vespa-asiática representa um grande risco para a biodiversidade e para outros insectos polinizadores e foi detectada pela primeira vez em Portugal em 2011, em Viana do Castelo, e tem vindo a alastrar-se para o resto do país.
Fim dos “vistos gold” em Lisboa e no Porto
Ainda não foi desta que o Parlamento conseguiu eliminar os “vistos gold”: as propostas para acabar com esta autorização legislativa foram todas chumbadas. No entanto, há mudanças a registar. Os “vistos gold” saem de Lisboa e Porto e passam agora a estar limitados aos municípios do interior ou das regiões autónomas dos Açores e da Madeira. A proposta foi feita pelo PS e contou com os votos favoráveis do PS e PSD e os votos contra do BE e PAN (ambos os partidos defendiam a total eliminação destes vistos). O objectivo desta limitação ao interior e regiões autónomas é aliviar a pressão do mercado imobiliário em zonas como Lisboa e Porto. A proposta prevê também aumentar o valor mínimo dos investimentos e do número de postos de trabalho a criar. Contudo, a proposta tem efeitos retroactivos, pelo que não prejudica a possibilidade de renovação das autorizações de residência concedidas ao abrigo do regime actualmente em vigor, nem a possibilidade de concessão ou renovação de autorizações de residência.
Proibição de cativações para INEM, Infarmed, ADSE, SICAD e DGS
O Governo ficou proibido de fazer cativação dos valores orçamentados e destinados à Entidade Reguladora da Saúde, à ADSE, ao Infarmed, ao Serviço de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências (SICAD), ao INEM, e à Direcção-Geral de Saúde. Todos os partidos à excepção do PS uniram-se para aprovar a proposta do PSD
Reforço de nutricionistas e desfibrilhadores
O Ministério da Educação vai receber um reforço de 15 nutricionistas para melhorar a alimentação nas escolas públicas. A proposta foi apresentada pelo PAN e teve os votos a favor do PS, BE e Chega, com os votos contra do CDS e a abstenção do PSD, PCP e Iniciativa Liberal. Foi também aprovada uma proposta do PEV que estabelece que “durante o ano de 2020 o Governo promove as diligências necessárias tendo em vista dotar os estabelecimentos de ensino de desfibrilhadores automáticos externos”.
Recrutas com salário igual ao salário mínimo nacional
Foi aprovado o aumento da remuneração durante a instrução básica dos recrutas das Forças Armadas para o valor da retribuição mínima mensal garantida: 635 euros. Esta foi mais uma proposta aprovada com uma coligação negativa. A proposta do CDS foi aprovada por todas as bancadas parlamentares, com excepção do PS.
Manuais escolares grátis no 1.º ciclo não têm de ser devolvidos
Os manuais escolares distribuídos aos alunos do 1.º ciclo do ensino básiso (até ao 4.º ano) vão deixar de ter de ser devolvidos às escolas, no final do ano, como era obrigatório até agora. A proposta foi apresentada pelo PCP e aprovada pelo Governo em negociações.
Cálculo do CSI só conta com filhos a partir do 4.º escalão
O Parlamento aprovou por unanimidade a proposta do PS na avaliação de recursos dos idosos para o cálculo da prestação do Complemento Solidário para Idosos (CSI) deixar de considerar os rendimentos dos filhos até ao terceiro escalão. Para já, ainda não se sabe quando é que a medida entrará em vigor, uma vez que a proposta prevê apenas que o Governo faça a alteração das regras durante este ano.
Aumento das pensões antes de Agosto
As pensões abaixo de 658,22 euros (1,5 IAS – Indexante dos Apoios Sociais) irão beneficiar de um aumento de dez euros a partir do momento em que o Orçamento do Estado de 2020 entre em vigor. Há, no entanto, algumas pensões, as que tenham sido actualizadas no período entre 2011 e 2015, que não beneficiam de um aumento de 10 euros. Para estas, o valor do acréscimo a realizar é de apenas seis euros. A proposta foi apresentada pelo PCP e aprovada por unanimidade.
Novo Hospital da Madeira: 50% dos custos de construção
O Parlamento aprovou a proposta dos três deputados do PSD-Madeira de criar um novo Hospital Central da Madeira. O novo hospital terá um custo estimado de 266 milhões de euros e 50% dos custos de construção (133 milhões de euros) serão financiados por este Orçamento do Estado. A proposta foi aprovada pelo BE, PCP, PS, PSD, CDS, IL e Chega; o PAN absteve-se. O financiamento deste hospital foi uma das medidas negociadas entre o PSD-Madeira e o Governo, e que garantiram a abstenção destes três deputados do PSD-Madeira na votação global do Orçamento do Estado. A abstenção do PSD-Madeira foi contra a disciplina de voto do PSD (que votou contra o OE 2020) e resultou num processo disciplinar por parte da bancada dos sociais-democratas.
Contratação de profissionais do INEM
Até ao final de Junho deste ano, deverá ser lançado o concurso para a contratação de profissionais do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). A proposta do Bloco de Esquerda foi aprovada com a abstenção do Chega e o voto contra do PS.
Mais 2500 polícias
A proposta do PCP para admissão de 2500 profissionais para as forças e serviços de segurança foi aprovada durante a madrugada, com votos da maioria das bancadas parlamentares e abstenção do PSD. As admissões serão feitas de acordo com um faseamento a estabelecer pelo Governo, ouvidos os sindicatos e associações representativas dos profissionais do sector. Quanto à Polícia Judiciária (PJ), o PS votou contra todas as propostas do Bloco, PCP, PAN, Chega e CDS para reforço de pessoal e de meios técnicos desta polícia – só passou uma proposta do PS para contratar 30 especialistas de Polícia Científica.
Incentivo à compra de bicicletas
A aquisição de bicicletas, até um máximo de 100 euros, vai beneficiar dos incentivos que se destinam a veículos de zero emissões. A proposta foi entregue pelo PAN e contou com os votos favoráveis do PS e do Bloco de Esquerda (além do PAN). Também foi aprovada a medida proposta pelos bloquistas que prevê a remoção de obstáculos no transporte de bicicletas em transportes públicos.
Aumento do IRS do alojamento local em zonas de contenção
A tributação de uma parcela de 50% dos rendimentos de alojamentos locais, face aos anteriores 35%, situados em zonas de contenção foi hoje aprovada no debate na especialidade do Orçamento do Estado para 2020. A medida, que consta do OE2020, foi aprovada com os votos favoráveis do PS, BE e PCP, a abstenção do PAN e os votos contra dos restantes partidos. Já as propostas de alteração do Bloco de Esquerda e da Iniciativa Liberal foram reprovadas.
Travão às execuções do fisco por dívidas de portagens
Foi aprovada uma norma que, na prática, vincula o Governo a rever este ano a forma como se desenrola o processo de pagamento das taxas das portagens das antigas auto-estradas sem custos para o utilizador (Scut), antes de a Autoridade Tributária ser chamada a fazer a cobrança coerciva dessas dívidas. A norma prevê que o Governo reveja, ainda nos primeiros seis meses do ano, o “modo como se desenrola a fase que antecede a instauração dos processos de execução fiscal” de dívidas não tributárias, com o objectivo de reduzir o número de casos instaurados pelo fisco. Como o PÚBLICO já noticiou, o executivo está a pensar aumentar o número de dias em que os condutores poderão pagar as taxas das portagens junto dos CTT (passando esse prazo de cinco para 30 úteis) e em encurtar ou eliminar o número de dias em que os condutores se vêem impedidos de fazer esse pagamento (entre o momento em que passam na portagem e o dia em que o sistema permite fazer o pagamento nos CTT).
Indústria farmacêutica continua a pagar taxa sobre medicamentos
Com os votos a favor do PS, Bloco e PCP mantém-se este ano a contribuição sobre a indústria farmacêutica criada em 2014. Todos os restantes partidos se abstiveram. Esta taxa, que oscila entre 2,5% e 14,3% consoante o produto e incide sobre o total de vendas de medicamentos, gases medicinais e derivados do sangue e plasma humanos realizadas em cada trimestre. A receita fiscal será de cerca de 200 milhões de euros anuais.
Micro e pequenas empresas vão poder usar créditos fiscais para abater pagamentos
Uma coligação negativa entre todos os partidos de um lado e o PS do outro permitiu aprovar as propostas do PEV e do PCP para que as micro e pequenas empresas possam passar a beneficiar de um regime de “acerto de obrigações tributárias”. Na prática, as micro e pequenas empresas que, aquando do pagamento de obrigações tributárias, detenham créditos junto do Estado, poderão usufruir do respectivo acerto de contas, devendo pagar apenas a diferença entre o valor a receber e a pagar.
Aprovado plano plurianual de investimentos para o SNS e plano de saúde mental
Os três partidos da esquerda e o PAN aprovaram a proposta do Bloco para a criação de um Plano Plurianual de Investimentos para o Serviço Nacional de Saúde, que terá já este ano um valor de 180 milhões de euros. Este valor será “preferencialmente” afecto a investimento que “permita a internalização das respostas em meios complementares de diagnóstico e terapêutica nas instituições e nos serviços públicos de saúde”. A proposta prevê também que este ano o Governo fixe um valor de referência para o plano de investimento plurianual para a legislatura. PSD, CDS e IL votam contra e o Chega absteve-se.
A proposta do Plano Nacional de Saúde Mental obriga o Governo a, por exemplo, colocar em funcionamento equipas de saúde mental comunitárias de adultos e de infância e adolescência em sistema locais de saúde mental de cada uma das cinco administrações regionais de saúde, ou a disponibilizar gratuitamente fármacos antipsicóticos nas consultas da especialidade hospitalar.