Queixa precipitou registo de site de desinformação na ERC

Em Agosto de 2019, a ERC disse que iam ser realizadas “as respectivas diligências para o cabal cumprimento da lei” no que toca ao site Bombeiros24. Solução passou pelo registo de site de desinformação como publicação noticiosa. Sindicato dos Jornalistas pede esclarecimentos.

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A lei é omissa e não exige que existam jornalistas entre os colaboradores para que uma publicação seja registada como noticiosa DANIEL ROCHA

sites de desinformação registados como publicações periódicas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). O Diário de Notícias fala nos casos do Notícias Viriato e do Bombeiros24, que, sem terem jornalistas na equipa, partilham conteúdo enganador ou manipulado e que não respeita o código deontológico dos jornalistas.

O Bombeiros24 surgiu em 2018, sem qualquer ligação a corporações de bombeiros. No Facebook ganhou escala graças a milhares de partilhas acumuladas em duas páginas que, actualmente, se chamam “Bombeiros Portugueses” e “Bombeiros24”. Nas partilhas realizadas pela página são frequentes os apelos sensacionalistas como “que descanse em paz" em publicações que envolvem mortes. Os artigos publicados são normalmente sobre crime, celebridades e fenómenos meteorológicos extremos. Os cliques acabam por render dinheiro em publicidade para os autores.

Em Agosto de 2019 foi apresentada no regulador dos media uma participação sobre o site que, não tendo jornalistas na equipa, se fazia passar à margem da lei por um órgão de comunicação social. Em resposta a ERC disse ter verificado que “o tratamento dado aos conteúdos disponibilizados poderá consubstanciar uma publicação periódica electrónica”. Por esse motivo, iam ser então realizadas “as respectivas diligências para o cabal cumprimento da lei”.

Em relação “a questões relacionadas com a ética e o respeito do código deontológico dos jornalistas”, levantadas na participação, a ERC afirmou então que essas questões deviam ser tratadas pelo Sindicato dos Jornalistas.

O regulador acabou por propor ao Bombeiros 24 que se legalizasse — registando-se como publicação periódica —, algo que a lei permite mediante um pagamento de uma taxa de inscrição provisória no valor de 61,20 euros. O site, que antes assinava as publicações com o autor “Bombeiro”, passou a ter um estatuto editorial e viu os textos serem assinados por “Paulo André”, que não tem registo na Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ). Ainda assim, a ERC aceitou o registo como “publicação informativa”. Para além de Paulo André, tanto no registo da ERC como na própria página do Bombeiros 24 resta apenas o nome de André Conceição​, que também não é jornalista. Nesta altura o site tem ainda registo provisório.

Lido o estatuto editorial, o Bombeiros24 afirma que todos os colaboradores “respeitam e orientam-se pelos princípios e valores espelhados nos documentos que regem a actividade jornalística, como sejam o Código Deontológico, o Estatuto do Jornalista e a Lei de Imprensa”. Também fica a ressalva de que é permitida a “divulgação de artigos de opinião da autoria de cidadãos que não possuam a carteira de jornalista desde que sejam considerados pertinentes”.

Também a página Notícias Viriato está registada na ERC e ao JN o regulador admitiu que o site cumpria “todas as exigências legais”. Criado em 2019, o portal foi responsável por atribuir a um grupo de “rapazes ciganos” a morte em Bragança do cabo-verdiano Giovani Rodrigues, informação que se revelou falsa uma vez que os suspeitos que foram detidos não são de etnia cigana.

O portal foi convidado pela própria ERC a regularizar-se a 12 de Agosto de 2019, através de carta registada. No documento, o site era ameaçado com um processo contra-ordenacional por parte do regulador caso não se registaste, numa coima que podia ir até aos 4.987,97 euros. No Facebook, o Notícias Viriato pediu então ajuda monetária, através de crowdfunding, para pagar “mais taxas e taxinhas” que “envolverão um total à volta dos 300 euros”. 

Os fundadores, António Abreu e Jorge Santos, diziam que aquele passo levaria o Notícias Viriato a ser “oficialmente um jornal online diário": “um desafio" que aceitavam “com muita raça e prazer”, numa “verdadeira alternativa jornalística para contrabalançar a hegemonia actual”.

A lei é omissa em relação a estes casos, uma vez que não exige que existam jornalistas entre os colaboradores para que uma publicação seja registada como noticiosa.

O PÚBLICO apurou, junto de fonte na ERC, que nesta quarta-feira o tema será levado a reunião do Conselho Regulador. Foram ainda pedidos esclarecimentos adicionais não tendo, até à data de publicação deste artigo, havido resposta. 

O Sindicato dos Jornalistas, contactado pelo PÚBLICO, remeteu para a nota publicada na sua página oficial. O sindicato pediu esclarecimentos sobre o registo de sites de desinformação com o título de “informativos”, considerando “imperioso tratar de forma diferente o que é diferente e tudo fazer para não contaminar o jornalismo e a verdade dos factos com conteúdos falsificados e manipulados para fins ideológicos duvidosos”.

O Bloco de Esquerda já pediu para ouvir com urgência no Parlamento o Conselho Regulador da ERC sobre estes casos.

Este texto foi alvo de um Direito de Resposta publicado a 29 de Junho de 2020, por deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

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