Fotografia
Será esta a última sociedade matriarcal da Europa?
Como seria a vida sem a presença de homens? As mulheres que habitam as pequenas ilhas de Kihnu e Manija, na Estónia, conhecem a resposta há mais de um século.
Ao largo do golfo de Riga existem dois pedaços de terra habitados e governados quase exclusivamente por mulheres. Chamam-se Kihnu e Manija e foram, durante 11 anos, alvo de estudo e documentação fotográfica por parte da norueguesa Anne Helene Gjelstad. O fotolivro que resulta desse trabalho, Big Heart, Strong Hands, editado este mês pela Dewi Lewis, retrata o quotidiano de 35 mulheres que povoam estas ilhas isoladas da Estónia, desvendando o motivo por que se diz que nelas vive a última sociedade matriarcal da Europa.
As coloridas e pitorescas casas de madeira que se destacam entre a floresta intocada de Kihnu são como as mulheres que as habitam: elas são frágeis, sensíveis, mas aguentam-se firmes, ano após ano, através dos longos invernos glaciares da ilha. As mulheres de Kihnu realizam qualquer tarefa, assumem qualquer cargo. São mães, são agricultoras, são líderes. Só não enterram quem morre. Esse é, talvez, o único trabalho reservado aos homens, que são poucos. Muito poucos. Eles começaram a desaparecer do dia-a-dia há dois séculos, quando adoptaram a pesca e a caça às focas como actividades principais. Para trás, meses a fio por cada ano, deixaram as suas terras, os seus cultivos e animais. Deixaram, também, mulher e filhos.
"Elas passaram a ter de tomar conta de tudo", explicou Anne Helene Gjelstad ao P3, em entrevista por e-mail. "Educar e criar as crianças, coser vestuário, cozinhar, reparar e conduzir tractores, cuidar dos animais da quinta." Os homens da ilha "nunca estavam presentes quando eram precisos" e a terra não descansa. Muito menos os filhos. Com ou sem os homens presentes, Kihnu nunca parou. "A vida é muitas vezes difícil. E isso é normal aqui. Ninguém faz perguntas e todos fazem o que devem. É assim que se forma um coração grande e mãos fortes. Quando entendi isso, o meu projecto ganhou um título." Graças a todas essas mudanças e a toda essa força, formou-se uma sociedade de características únicas baseadas na independência e poder femininos. "Uma sociedade em que mulheres, sobretudo mães, assumem os cargos políticos, exercem autoridade moral e controlam a propriedade."
Hoje, nas quatro aldeias de Kihnu, vivem permanentemente 350 pessoas — apesar de estarem registadas cerca de 700. Há 39 crianças matriculadas na escola básica da ilha. Em Manija, há apenas 25 habitantes. "Muitos vivem nas ilhas em tempo parcial", explica Anne Helene. "Aos 16 anos", conta, "é comum que as crianças saiam da ilha para frequentar a escola secundária, na Estónia continental". Geralmente não regressam. Deixam-se ficar por Talin ou Pärnu. Ou então emigram. "A educação é necessária, mas empregos que servem para pagar contas também." Esses escasseiam.
Mas existe, desde 2003, um motivo para ter esperança. Declarada pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade, Kihnu viu consagradas e reconhecidas as suas tradições, rituais, música, artesanato e dialecto local. Hoje, o turismo já garante o sustento a muitas famílias. "É um motivo para que as pessoas se fixem na ilha. Participam em performances de dança e música tradicionais, vendem artesanato, comida, exploram alojamentos e serviços como o aluguer de bicicletas. Tudo isto é, agora, parte do dia-a-dia." Mas não há bela sem senão. Até há poucos anos, as casas de Kihnu não tinham fechaduras. Uma vassoura encostada à porta de entrada sinalizava ausência do morador — e essa era respeitada por todos. "Hoje, os cadeados são usados para proteger as propriedades de turistas que não respeitam ou compreendem a vassoura."
O turismo é fonte de rendimento, mas também de preocupação. Se, por um lado, vender as tradições e transmitir conhecimento é uma forma de manter viva a cultura de Kihnu, por outro começa a mudar a face da ilha. "Hoje em dia, as quintas têm quase todas uma placa com um nome e há muitos locais para pernoitar. O museu local foi renovado e desenvolve actividades regularmente. Há visitas guiadas realizadas por mulheres com enfoque na cultura." Anne Helene considera o local "demasiado turístico" durante o Verão. "Para turistas tradicionais, isso não será um problema, mas para pessoas que, como eu, se interessam por história e cultura dos locais, será preferível ir noutras estações do ano." Foi por ter interesse na história do local que se debruçou sobre a vida de 35 mulheres idosas "e as tradições que, em breve, estarão extintas". Das 35 mulheres que retratou, apenas dez se mantêm vivas.