Interfaces cerebrais, uma nova arma contra massacres nas escolas
Dois anos após a morte de 17 pessoas na escola secundária de Parkland, um dos sobreviventes juntou-se a uma empresa que desenvolve tecnologia de interfaces cerebrais para encontrar provas de que relaxar, meditar e investir na saúde mental pode ajudar a prevenir tragédias.
Com 18 anos, Kai Koerber foi um dos muitos oradores a subir aos palcos da CES, a grande feira de tecnologia de Las Vegas. O adolescente norte-americano, é um dos sobreviventes do massacre na escola secundária de Parkland, nos EUA, e visitou a Consumer Electronics Show para falar sobre a forma como a tecnologia de interface cerebral pode ajudar a combater o stress e prevenir situações como a que viveu há dois anos.
Quando o dia 14 de Fevereiro de 2018 começou, nada parecia fora da norma para o adolescente norte-americano. Às 7h30 Koerber já estava nas aulas – embora, admita, quase se tenha atrasado para o primeiro bloco – e até às 14h da tarde lembra-se de se queixar de trabalhos de casa e projectos da escola, e ter aulas de Química e Cálculo. Mas depois, o alarme da secundária de Parkland, na Flórida, tocou e o dia ficou registado como a data de um dos maiores massacres causados por uma arma nos EUA.
Hoje, Koerber, um estudante de primeiro ano do curso de Ciências da Computação na Universidade de Berkeley, na Califórnia, vê o dia como um sintoma da falta de importância que se dá à saúde mental. E acredita que a tecnologia pode provar que aprender a lidar com o stress é fundamental. Para tal, juntou-se à BrainCo uma empresa fundada por antigos alunos da Universidade de Harvard e do MIT, nos EUA, que desenvolve tecnologia que regista, interpreta e manipula actividade cerebral.
“Com Parkland veio tanta controvérsia sobre legislação de armas, mas eu só pensava que havia um problema subjacente que era a saúde mental”, disse ao PÚBLICO o jovem depois de subir ao palco, acompanhado pela mãe, Alana Koerber. Um ano antes do massacre na Florida perpetrado por Nikolas Cruz que resultou na morte de 17 pessoas, vários responsáveis que lidavam com Cruz chegaram a pedir que ele fosse institucionalizado e sujeito a um diagnóstico de saúde mental, mas tal nunca chegou a acontecer. “O que aconteceu em Parkland obrigou-me a procurar formas de relaxar… Honestamente, nessas situações temos de encontrar formas de lidar com a ansiedade e com o stress para poder continuar em frente”, continuou o jovem.
Desde Parkland, fundou a organização Societal Reform Corp, que angaria dinheiro para apoiar instituições de saúde mental e educar sobre o tema. “Temos de garantir que as pessoas estão bem mentalmente e desenvolver técnicas para medir a saúde mental”, diz Koerber.
A nova parceria com a BrainCo deve ajudar a registar a eficácia de sessões de meditação e actividades que promovem o relaxamento para mostrar os benefícios da saúde mental. Um dos muitos produtos da empresa – que também desenvolve membros prostéticos controlados através das ondas cerebrais –, é a banda Focus1, um electroencefalograma portátil de 95 gramas que monitoriza a actividade cerebral e mostra os resultados numa aplicação. Estes aparelhos permitem registar a actividade eléctrica no cérebro, através de eléctrodos que são colocados por cima do couro cabeludo.
“A forma mais simples de explicar é que criamos tecnologia que assenta no cérebro. Ora o cérebro funciona ao enviar sinais eléctricos a várias partes e quando o sinal é forte pode ser detectado por cima do couro cabeludo”, explicou em palco Max Newlon, presidente da BrainCo nos EUA. “E o que nós fazemos é detectar estes sinais, amplificá-los, aprender sobre eles e descodificá-los através de algoritmos de inteligência artificial.”
Foi o próprio Koeber que contactou a empresa depois de ler sobre os projectos num artigo da revista Forbes sobre como a tecnologia de interface cerebral é o futuro. “Enviei um email à BrainCo depois de ler sobre o que fazia e pesquisar mais sobre a tecnologia a pedir para falarem comigo. E quando se escreve sobrevivente de Parkland no assunto de email para uma empresa focada em saúde mental, tende-se a receber atenção”, diz Koerber. “Tento usar a atenção para coisas boas.”
A saúde mental é um mercado em crescimento. Segundo dados da analista Grand View Research, nos próximos seis anos, o mercado de produtos informáticos e serviços dedicados ao comportamento e à saúde mental deve chegar aos 5,06 mil milhões de dólares (4,53 mil milhões de euros).
Mas o grande objectivo da BrainCo é desenvolver tecnologia acessível. A empresa nasceu em 2015 com a missão de criar tecnologia de interface cerebral a preços mais reduzidos. Por exemplo, a versão low cost da BrainCo – que é feita com impressoras 3D – assemelha-se a uma bandolete e é utilizada para ajudar estudantes a melhorarem o seu desempenho escolar, atletas a concentrarem-se nos treinos ou antes de grandes competições, e adultos a aprenderem exercícios de meditação.
Ainda é cedo, no entanto, para falar em resultados da parceria entre a Societal Reform Corp e a BrainCo. “Vim à CES para começar a alertar e a despertar atenção para o projecto”, admitiu Koerber. O estudante espera, no entanto, que daqui a quatro anos o projecto com a BrainCo permita ter provas concretas e explicações sobre o efeito da meditação e técnicas de relaxamento na saúde mental.
“Há pessoas que precisam de provas empíricas para se começarem a preocupar com a saúde mental e os níveis de stress”, diz Koerber, que acredita que dizer “é bom meditar” é o equivalente a dizer que “é bom beber água”.
“É bom ter provas e é bom existir mais investigação na área para levar as pessoas a perceber que isto é mais do que uma actividade hippie”, remata.
O PÚBLICO viajou a convite da CES