Incompatibilidade de Rui Silva Leal para o CSMP
Como poderá estar Rui Leal simultaneamente a gerir os interesses da Ordem e a decidir a gestão e a disciplina dos magistrados do MP?
O título do artigo é sugestivo da tese defendida pelo autor, mas devo começar por dizer que nada me move contra Rui Silva Leal, cujo percurso profissional respeito e considero. Sucede, porém, que, por efeito de indicação parlamentar para o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), Rui Silva Leal encontra-se numa situação jurídica original e muito sensível que merece cuidada reflexão.
Afasto desta reflexão o argumento das relações familiares (family gate). Ainda que Mónica Quintela seja a deputada do Grupo Parlamentar do PSD destacada para a área da Justiça, Rui Leal, seu marido, tem percurso profissional suficiente para integrar o CSMP.
O problema não é esse. É outro. No passado dia 13 de Dezembro, Rui Leal foi eleito Vice-Presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados (OA) para um triénio. Assume, assim, um mandato eleitoral próprio, que contende com a nobre representação dos associados da OA. E, nos termos do Estatuto da Ordem (art. 46.º), compete ao Conselho Geral definir a posição da OA perante os órgãos de soberania e da Administração Pública no que se refere à administração da justiça. Por isso, pergunta-se: como poderá estar Rui Leal simultaneamente a gerir os interesses da Ordem e a decidir a gestão e a disciplina dos magistrados do MP? Mais: ao longo do mandato, a OA poderá dirigir críticas (admita-se que legítimas) a certas atuações do MP. Todavia, poderá o Vice-Presidente da OA desempenhar aquela função, de manhã, e, à tarde, relatar processos e punir magistrados no CSMP? E quanto ao sigilo e reserva da informação que circula no CSMP? Haverá garantias acrescidas de que essa informação se mantém reservada e não é transmitida?
A conjugação de normas do Estatuto da OA e do Estatuto do MP revela espaços de conflitos de representação que inevitavelmente levam a conflitos de interesses. A meu ver, há uma sobreposição de mandatos eleitorais que se deverá ter por inadmissível no presente caso. Com todos estes condicionalismos, o ambiente que o eleito Vice-Presidente da OA encontrará no CSMP também não será propício em termos de legitimação. Rui Rio não viu bem o caso. Limitou-se a dizer que o cargo não é remunerado. Não tem razão. Há outras vantagens que se poderão auferir do exercício desta função e, por isso mesmo, a lei obriga todos os membros desse Conselho à apresentação da declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional, antes da investidura e depois da cessação de funções.
Na audição que se realizará nos próximos dias, os deputados da Assembleia da República deverão ponderar sobre a existência de uma situação de incompatibilidade funcional. Em alternativa, Rui Leal sempre poderá optar pelo exercício das honrosas funções de Vice-Presidente do Conselho Geral da OA, afastando a suspeição de um padrão de conduta comprometedor da ética republicana.