Tentações pindéricas
Quem do alto do seu estrelato efémero não resistiu ao Dior Absolu Eau de Parfum apenas deixou inscrito na espuma dos dias que por cem euros era capaz de não resistir, culpando a empregadota exatamente por ser pobre e sem fama, a pindérica. Quem ao céu sobe, ao inferno pode cair.
A tentação é um mal que acompanha os seres humanos desde sempre… “Senhor, não nos deixeis cair em tentação e livrai-nos de todo mal, ámen…”
Buda olhava em frente, a meia altura, para não se deixar tentar.
Os muçulmanos escondem o prato da comida para não tentarem os que não têm comida.
Resistir às tentações foi sempre considerado um imperativo de todas as grandes religiões, até chegarem os saldos, os Black Fridays e os novos natais.
Os aeroportos das grandes cidades são exposições de quase tudo o pode fazer um ser humano cair em tentação. E, na altura do Natal (transformado em feira de bazares), os aeroportos enchem-se de produtos faiscantes de sedução para os olhos, as pituitárias e os narizes, sempre a pensar no vil metal a que os cartões de crédito dão guarida.
O luxo é a suprema vingança dos ricos sobre os pobres, na medida em que a sua exibição/ostentação convoca uma espécie de basbaquice que se espalha quando os de baixo espreitam os de cima e aspiram a estar nos seus lugares.
Os famosos, homens ou mulheres, têm para consolidar essa estirpe de sucesso de assinalar o local onde estão, de escarrapachar quanto gastam e exporem fotos do que comem e de onde dormem… e os de baixo querem ver o que os fazem os famosos nas suas grandes vidas.
Mas a fama de que os famosos são feitos não é um direito adquirido para sempre. Há um sobe e desce. O Olimpo da fama não é como o céu dos crentes onde cabem todas as almas desde o início até ao juízo final que, a manterem-se as alterações climáticas, não está longe.
Um famoso obedece a certos critérios nas roupas e no calçado, nos perfumes, nos cabeleireiros, nas festas, nos bares; não é fácil.
Com a idade há a tendência para se esfumar o estatuto, o corpo não perdoa e a alma pouco conta para o mercado mediático, é algo que se pendura no cabide da vida, que se não vê e, portanto, não se vende.
Os famosos recebem em função da sua fama e quem a vai perdendo, diminui os seus vencimentos devido a esse declínio mercantil.
Os gregos, melhor que nenhum outro povo, aperceberam-se da fragilidade dos Deuses; não eram só os humanos, frágeis eram também as criaturas divinas que os humanos criaram. Deusas e Deuses que se comportavam como as mulheres e os homens e intervinham nas suas disputas… Que o diga Ulisses, que contou com a proteção de Deusas que por ele se deixavam seduzir.
Circe aconselhou-o a colocar cera nos ouvidos para não ouvir os cantos das sereias que o levariam à perdição, antes de enfrentar Cila e Caribe e chegar finalmente a Ítaca.
Ulisses soube resistir à tentação encontrando o antídoto que partia do pressuposto que, mesmo sendo da estirpe dos deuses, tinha as suas fraquezas.
Os que ficaram para todo sempre na História como Ulisses assumiram as suas fraquezas. Os crentes pedem para os livrar das tentações. Buda não olha para os lados. Os muçulmanos escondem o prato.
Quem do alto do seu estrelato efémero não resistiu ao Dior Absolu Eau de Parfum apenas deixou inscrito na espuma dos dias que por cem euros era capaz de não resistir, culpando a empregadota exatamente por ser pobre e sem fama, a pindérica. Quem ao céu sobe, ao inferno pode cair.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico