Rússia
Miguel retratou a tensa fronteira entre a Rússia e os Bálticos
Uma ideia de fronteira como “espaço ideológico e de confronto”, com foco no conflito geopolítico entre a Rússia e o “mundo ocidental nesta era da pós-verdade”. É esta a premissa do projecto The Buzzer, do fotógrafo português radicado em Londres Miguel Proença, que revisita a diáspora russa espalhada pelos Países Bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia). O objectivo? “Questionar a identidade deste espaço pós-soviético onde a arquitectura e o urbanismo, pelas suas características, dificultam este processo de transição”, escreve Miguel Proença ao P3. The Buzzer integra a exposição A Glitch in the System, patente entre os dias 14 e 17 de Novembro em Milão, no âmbito do Photo Vogue Festival.
O português nascido no Porto em 1984 fez um intercâmbio universitário na Finlândia, onde tomou contacto com a relação tensa entre a Rússia e as antigas repúblicas soviéticas bálticas (ocupadas entre 1940 e os anos 90). “Muitos ainda continuam a acreditar que aquele território sempre fez parte da Rússia, o que não corresponde à verdade”, sublinha. Desde 2016 que Miguel tem vindo a entrevistar pessoas na Estónia, na Letónia e na Lituânia, em diferentes ocasiões que coincidiram com acontecimentos importantes: as eleições presidenciais russas de Março de 2018, as comemorações do Dia da Vitória Sobre o Nazismo (9 de Maio). Ao longo desse período, pesquisou também arquivos públicos e privados e foi a partir de gravações áudio de uma rádio amadora em Talin que surgiu o nome do projecto. “The Buzzer é a alcunha usada no Ocidente para identificar o que muitos especulam ser uma rede do comando militar russo”, explica, que vai ao encontro da ideia de especulação e propaganda, de ambas as partes, que atravessa todo o projecto.
Partindo de um jogo entre elementos — como “texto proveniente de artigos de jornais ou documentos e imagens adquiridas em diversos arquivos” —, o espectador deste projecto fotográfico é questionado. Isto porque, explica Miguel, por norma “o texto tenta contrariar a imagem de forma a destruir ou criar uma suspeita sobre o que vai sendo adquirido ao longo da narrativa”.
Desde que os Países Bálticos integraram a União Europeia e a NATO, afastando-se da esfera pós-soviética, “que o património cultural é sistematicamente aproveitado na política externa russa para, através dos média, manipular e reconquistar influências”. E não somente ao longo deste território. Com “elevados padrões de vida, uma composição étnica diversa, ausência de antecedentes histórias e fortes atitudes pró-soviéticas”, Estónia, Letónia e Lituânia eram vistas como a “vanguarda do socialismo”. Porém, após o colapso da URSS, sofreram transformações “dramáticas”, pelo que as memórias do passado “têm vindo a ser transfiguradas através de uma mimésis ocidental ou de uma supremacia militar generalizada pelos mass media”.
Já em 2019, Miguel Proença — que, com Lara Jacinto e António Pedrosa, fundou o Colectivo, em 2015 — foi um dos artistas selecionados para os novos talentos da The Photographer’s Gallery, em Londres. The Buzzer foi exibida na Photo London, na Unseen Amsterdam, em Madrid e em Braga. A publicação do livro é o próximo passo.