Ser família em Portugal

É caro existir, nos dias que correm e é caro ser família e ter família. É caro querer dar uma boa educação aos nossos filhos e querer preparar-lhes um futuro mais “desafogado”.

Ser família em Portugal

É correr muito, correr sempre, correr de um lado para o outro, porque o tempo não chega, nunca chega para o tanto que há a fazer: o trabalho, as refeições, a casa, as roupas, os TPCs e o telefonema apressado para os pais e para os sogros, só para saber se estão bem.

E demora-se muito tempo entre a casa e o trabalho, em transportes lotados e desorganizados entre si, ou em engarrafamentos que parecem não ter fim, porque compomos, nas áreas metropolitanas do país, uma imensa massa suburbana, expulsa dos centros das cidades que, até há cerca de dez anos, tinham sido deixados entregues à solidão encarcerada dos mais velhos e aos efeitos do tempo que haveriam de ditar as derrocadas desses prédios, que hoje recuperados ostentam, orgulhosos, as placas de alojamento local.

E porque o tempo não chega, chegamos nós, exaustos e impacientes, apressados para preparar o jantar, desejando que um qualquer canal de desenhos animados opere o milagre de nos distrair as crias por um bocadinho.

Mas juramos que é mesmo só por um bocadinho, porque, afinal, dizem os livros, e os programas de televisão, e o pediatra, e o psicólogo, que precisamos de dar aos nossos filhos “tempo de qualidade”. Talvez sejamos nós que não temos “qualidade” para o tempo e perdemos a paciência e não ouvimos as aventuras do dia e não contamos a história da noite, e não damos a mão. E até o amor é apressado, porque é preciso dormir e as horas já são poucas…

E não é só o tempo que não chega, é o dinheiro, também, porque os ordenados são baixos e as dívidas das casas e dos carros são altas. E o seguro de saúde também é caro. E as compras do supermercado. E as quotas do condomínio. E as roupas…

É caro existir, nos dias que correm e é caro ser família e ter família. É caro querer dar uma boa educação aos nossos filhos e querer preparar-lhes um futuro mais “desafogado”.

E porque tudo é caro e a nossa cabeça está sempre a fazer contas, precisamos de sossego e irritam-nos as perguntas e as vozes. E, afinal, parece que também precisamos de diálogos de “qualidade” em família… Talvez sejamos nós quem não tem “qualidade” para dialogar…

Mas além do tempo e do dinheiro, que não chegam, também as respostas de apoio são poucas e, por isso, escasseiam os lugares nos berçários e infantários (e os que há, privados, são a preços proibitivos e com extensas listas de espera), como escasseiam os lugares nas residências para os mais velhos e os cuidados domiciliários (e os que há, privados, são a preços proibitivos e com listas de espera cuja extensão só é atenuada, pelo triste efeito da mortalidade).

E estamos sozinhos, desapoiados, porque, afinal, a família é matéria do domínio privado e, por isso, cada um há-de saber da sua vida.

Da vida onde se vão acumulando as preocupações, as irritações, o desânimo. Da vida onde se instala, com sorte, o silêncio, ou, com azar, a violência: a das palavras e a dos gestos.

Mas a família não é apenas matéria do privado e a falta de apoio, com que as políticas sociais (várias) julgam poupar na prevenção, vai ser paga mais tarde (e com custos bem mais elevados) a tentar reparar o que, tantas vezes, não tem já reparação.

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