Ir à Internet. Esta é a primeira coisa que muitas mulheres que recebem a notícia que têm cancro da mama fazem e a professora e oncologista Emília Vieira não quer que esse seja o primeiro instinto, mas antes, por exemplo, abrir o seu livro O que faço? Tenho cancro da mama, editado no mês em que se assinala a consciencialização para esta doença.
“Muitas vezes, as mulheres não sabem procurar informação ou têm-na a mais e entendem que o cancro é pior do que é, na realidade”, justifica. Com uma escrita mais acessível - não é fácil fazê-lo, reconhece a médica do Hospital de Santa Maria, em Lisboa - a autora parte das perguntas que mais ouve às suas doentes para dar as respostas. “É quase como se fosse um guia, um manual de fácil leitura. O livro não está por capítulos, mas por perguntas.”
E a primeira “é sempre ‘Porquê a mim?’, a seguinte é ‘O que faço?’”, começa por dizer a médica e fundadora da Associação Amigas do Peito que apoia mulheres com cancro da mama em Santa Maria. Quanto à primeira, “não há uma resposta”, confessa a autora do título editado pela Esfera dos Livros. “É a doença do século, fruto do ar que respiramos, da vida que temos, da comida que comemos. A obesidade, o tabaco, o álcool, muitos alimentos transgénicos que nem sabemos que comemos”, enumera. A prevalência da doença continua a aumentar, alerta. “É uma doença com grande investigação, com muita gente debruçada sobre este problema e a mortalidade tem vindo a diminuir. Portanto essa situação também é positiva”, diz ao PÚBLICO.
Cerca de 25% das doentes têm tumores hormonodependentes, quer dizer que se alimentam de hormonas. Se as ingerimos estamos a favorecer o aparecimento do cancro, refere Emília Vieira. Há situações que podem contribuir para que este apareça como menstruar muito cedo, ter menopausa ou ter filhos mais tarde, não aleitar, continua. “Não há ninguém que não conheça alguém com cancro da mama”, declara. A doente mais jovem que já acompanhou tinha 19, a mais velha foi há pouco mais de duas semanas e tinha 102 anos - "a idade é um factor de risco".
O anúncio, a solidão e as terapias
Dizer a uma mulher que tem cancro, não é uma tarefa fácil e é preciso fazê-lo com muita humanidade, diz a médica, que reconhece que nem todos os seus colegas têm essa sensibilidade. “A maioria dos técnicos de saúde não são psicólogos, são técnicos, excepcionalmente bons técnicos, mas podem não ter aquela sensibilidade”, por isso a necessidade de criar a associação. “É tudo muito competente, mas muito técnico. Aqui ajudamos a tirar uma certa frieza que há no relacionamento médico/doente e, por isso, temos voluntárias que são mulheres que ultrapassaram a doença”, continua.
A associação tem apoio psicológico, tal como o hospital também tem, acrescenta. Actualmente, diz, já há uma cadeira na faculdade que ensina os futuros médicos a saber dar a notícia e lidar com a dor e com o luto.
Esta é uma doença que não se deve viver sozinha, aconselha Emília Vieira. “Na primeira ou segunda consulta, a pessoa não ouve metade do que se diz. Há uma ideia de morte eminente, que não é, mas surge a indefinição do futuro e ficam bloqueadas, não ouvem. Também peço para que escrevam as suas dúvidas. Tragam alguém que esteja mais atento àquilo que eu digo”, aponta.
A médica constata que há cada vez mais mulheres que chegam à consulta ou aos tratamentos sozinhas. “Estão sós porque estão divorciadas ou viúvas, têm os filhos emigrados e não têm família directa. São mulheres que não têm ninguém. Há outras que não querem sobrecarregar a família. Estão erradas. Aconselho-as a nunca vir sozinhas”, continua. “Um casal que é unido, fica mais unido. Mas se alguma coisa não estava bem na relação, passado algum tempo, o casal separa-se. Começa a haver uma degradação do relacionamento”, testemunha.
A solidão das mulheres foi uma das razões para criar a associação Amigas do Peito em 2008, que funciona num antigo armazém no hospital desde 2016. As voluntárias da associação, cerca de 20 a 30 mulheres, acompanham as doentes desde que entram no hospital - são elas que as ajudam a familiarizarem-se com o espaço, onde fazer os exames ou tratamentos, por exemplo, que as acompanham antes e depois da cirurgia.
Emília Vieira não condena as doentes que recorrem a terapias não convencionais. “Acho muito bem, o reiki, a meditação, assim como grupos de oração, é óptimo. Tudo aquilo que faz com que a pessoa melhore o seu íntimo para lutar contra a doença, é óptimo. Chame-lhe o que chamar. A fé não tem de ser cristã. Há pessoas que me dizem que são ateias e não acreditam em nada. Eu digo-lhes: ‘Mas tem de acreditar em si. Se sim, vamos acreditar que vamos vencer a doença’ Eu não acredito que ninguém acredite em nada”, exclama. Contudo, salvaguarda que nenhuma terapia substitui os tratamentos.
Na associação fazem-se ainda workshops mensais, desde a pintura à cozinha saudável, fisioterapia e informação sobre prevenção em cancro de mama, os factores de risco. Conhecer o seu corpo é o conselho que Emília Vieira dá a qualquer mulher, que não pode limitar-se a esperar pelo dia em que vai fazer o rasteio, a mamografia ou a ecografia, mas a palpar-se com regularidade. "O auto-exame é a mulher conhecer-se a si própria, é conhecer as suas mamas para que, caso note alguma coisa de diferente, recorrer de imediato ao médico.”
Uma mulher cujo tumor é detectado cedo tem 95% de probabilidades de cura. Às mulheres que passam pela doença, deixa a mensagem: "Nós podemos viver com o cancro, mas não podemos ser vencidas pelo cancro.”