O monstro dentro do programa do Governo
Neste programa, as principais medidas económicas terão um efeito (se vierem a ser aplicadas) de longo prazo. As medidas para os problemas que a economia tem a curto prazo são quase inexistentes.
A expressão “monstro” foi aplicada à despesa pública portuguesa pelo professor Cavaco Silva, como forma de simbolizar a dimensão da despesa pública e o impulso de a realizar com lógicas mais eleitorais que racionais.
O grande problema deste monstro é o seu apetite e a sua dieta. O apetite é voraz e a dieta é rica em impostos.
Este programa de governo define um modelo de governação baseado em alterações cirúrgicas na política fiscal, percebendo-se que o nível da carga fiscal é para manter. Nesse aspecto, não há alterações face aos últimos quatro anos. A alteração na governação proposta pelo PS desta nova legislatura parece residir na ideia de um Estado que vai funcionar melhor com preocupações no ambiente, demografia, transportes públicos, turismo e a ambição de tornarmos a sociedade mais digital, criativa e inovadora. Objectivos meritórios, mas que continuam a merecer a dúvida de como se vão pagar. Não basta enunciar metas: é preciso dizer como pretendemos alcançá-las.
O problema neste programa é o pouco que lemos sobre economia e o papel do sector privado. Existem medidas muito concretas para várias áreas de actuação governativa, mas muito poucas para a economia e especificamente para as empresas.
O programa do Governo está desenhado como se a economia do país mantivesse a capacidade de alimentar a actual carga fiscal durante toda a legislatura. E não há medidas, no mesmo programa, que estimulem a economia para conseguir manter esses esforços. Simultaneamente, há sinais externos que indiciam uma desaceleração económica e eventual recessão mundial.
Quando a economia não permite às finanças do país angariar a receita fiscal suficiente, o monstro da despesa releva-se omnívoro. E dos impostos passa a alimentar-se também de cortes de salários, redução do investimento público, cortes nos serviços do Estado, etc. Como se fosse possível cortar ainda mais em serviços públicos que estão no limite e em investimento que está em mínimos históricos.
Certo é que a economia portuguesa não tem a mesma robustez que outras grandes economias mundiais e por essa razão está sempre mais exposta ao cenário internacional. Mas isso também não pode ser sinónimo de não fazer nada. Temos de adoptar políticas para nos tornarmos mais resistentes às oscilações da economia internacional. E só conseguiremos isso com um apoio concreto e verdadeiro aos agentes da economia.
Neste programa, as principais medidas económicas terão um efeito (se vierem a ser aplicadas) de longo prazo. As medidas para os problemas que a economia tem a curto prazo são quase inexistentes.
Inclusive no turismo, que é um dos sectores no qual o Governo poderia ter medidas com um efeito mais imediato. Para esta legislatura, o programa menciona medidas que disparam em várias direcções. Estranhamente, nenhuma delas aponta para o reforço da promoção de Portugal junto dos países onde perdemos ou poderemos vir a perder turistas. O único programa de promoção de Portugal previsto é o que pretende promover o nosso país como um destino LGBTI. Sendo esta uma medida cujo alcance económico é difícil de perceber.
Não existe um objectivo para estruturar o financiamento das empresas de forma a torná-las menos dependentes da banca, que serve para financiar a tesouraria mas continua a não ser a melhor opção para financiar investimentos. Tal como não existem medidas que acelerem a justiça. Entre o dinheiro que não chega para fazer investimentos e dinheiro que está parado nos processos que se arrastam em tribunais, a economia do país perde a capacidade de acelerar. E este é o momento para acelerar enquanto a conjuntura económica é favorável.
Enquanto o Governo fixa exigências de curto prazo à economia, como o salário mínimo e a receita fiscal, peca pela ausência de medidas que podiam ter um efeito mais imediato e que em nada iriam colidir com medidas de médio e longo prazo que constituem a esmagadora maioria das propostas económicas que constam do programa do Governo.