A falta de professores como oportunidade
A solução tem de passar por uma nova forma de organizar e viver o espaço escolar, com a implementação de diferentes estratégias e dinâmicas de sala de aula.
Os números da falta de professores foram, mais uma vez, notícia e alvo de polémica. Dispensando-me de os comentar, recordo que, noutro momento, sugeri, pedagogicamente, uma reanálise dos mesmos. Era evidente que os números então divulgados não correspondiam à realidade. Esse conselho não foi seguido e temos novamente a mesma estratégia: lançar uns números, mesmo que não apurados com os mesmos critérios, e esperar que tudo assente.
Nas estratégias de redução do número de alunos sem professor, há diversas medidas em curso, como sejam lecionar mais horas de Matemática porque não há professor de Inglês, acreditando que, a seguir, “nascerá” um professor de Inglês e compensará as horas em falta; retirar horas de apoio ou de atividades a alunos porque não há professor; contratar um técnico para o horário de um professor, etc. Ainda que fundamentadas na necessidade de ter os alunos com aulas, estas estratégias levantam vários problemas para os alunos e centram a resolução do problema no único propósito de alcançar uma meta estatística ignorando as razões para a falta de professores.
Volto ao tema porque a falta de professores é, de facto, um problema complexo, com várias origens e não se foca no essencial fazendo umas “mezinhas” nos horários das turmas e dos professores.
Uma medida urgente a implementar será o aumento da formação de professores no ensino superior. É igualmente importante apostar em todas as melhorias possíveis ao nível das carreiras e do exercício profissional, já que a falta de professores está muito ligada às exigências do exercício da profissão.
Um dia, a propósito da discussão do número de alunos por turma, perguntei a um professor que lecionava em turmas de 28 alunos se, na sua gestão de sala de aula, fazia diferença ter 28 ou 26 alunos. Ele respondeu-me que fazia toda a diferença, desde que fosse ele a escolher os dois alunos que saíam.
Esta resposta sincera, e até compreensível para alguns, ilustra bem a complexidade e as dificuldades dos professores na gestão de uma sala de aula.
Encontro muitos jovens e adultos que valorizam e cultivam o prazer de ensinar e de contribuir para a educação dos mais novos. Num contexto cada vez mais diverso e plural, ser professor é, para eles, uma profissão nobre. Porém, não querem fazer parte dessa nobreza. Assusta-os a complexidade que bem conhecem dos seus tempos de alunos.
As exigências que hoje temos para com a escola, onde queremos que se aprenda tudo e se desenvolvam competências múltiplas, como o trabalho de equipa, o pensamento crítico, a criatividade, a comunicação em diferentes contextos, etc., implicam o recurso a metodologias que não são compatíveis com 25 alunos, um único professor e um espaço de atividade pensado para alunos em fila ou em linha a ouvir um professor, estando eles calados e sentados.
Creio que é aqui que está o erro e a perda da oportunidade resultante da falta de professores. A solução tem de passar por uma nova forma de organizar e viver o espaço escolar, com a implementação de diferentes estratégias e dinâmicas de sala de aula.
Um exemplo do que não deve acontecer está a ocorrer com o processo de contratação de técnicos. Perante a não colocação do professor de uma determinada disciplina, sugere-se à escola que contrate um técnico. Porém, quando se quer explicitar o que o técnico vai fazer, entra-se num emaranhado de indefinições, que ninguém percebe como aquilo vai funcionar. Este técnico é colocado num horário de professor, mas não é professor, logo, não se pode dizer que vai dar aulas. Embora apeteça, também não se pode dizer que vai simular ou imitar o professor, muito menos revelar que apenas vai “ocupar alunos”. Tudo isto acontece, porque o único objetivo da medida é preencher um buraco no horário e poder dizer que há menos alunos sem aulas. Curiosamente, não permite dizer que há mais aulas para esses alunos.
É importante salientar que a contratação de técnicos para as escolas é necessária e positiva desde que estes sejam enquadrados num trabalho de equipa colaborativo com o grupo de professores, sem que se sintam “a fazer as vezes de”. Uma escolaridade obrigatória que suscite o prazer de aprender e promova a inclusão de todos, sem necessidade de ser obrigatória, requer uma mudança na forma como as escolas se organizam e trabalham.
A mudança de sala de aula, onde haja várias dinâmicas de trabalho que envolvam os alunos individualmente, em pares ou em grupo, recorrendo a diversos equipamentos e estratégias não é mais compatível com uma turma de 25 alunos e um professor que salta de turma em turma a cada 50 minutos. Os desafios enfrentados pelas escolas obrigam a uma boa gestão e adequação do currículo, a mudar espaços, a constituir equipas, a modificar grupos, a alternar a sua dimensão e constituição, a mobilizar outros agentes além dos professores. A docência tem de ser um trabalho de equipa, no qual esses técnicos podem ter um papel rico, onde os seus conhecimentos e competências são valorizados, contribuindo para que os alunos tenham aulas e os professores se sintam mais apoiados neste trabalho cada vez mais exigente.
Como nos diz a UNESCO (2021) na publicação Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social ,“as arquiteturas, os espaços, os horários, os cronogramas de aulas e os agrupamentos de estudantes nas escolas devem ser reelaborados para incentivar e permitir que os indivíduos trabalhem juntos”.
Os documentos curriculares existentes, nomeadamente o decreto-lei n.º 55/2018, permitem e desafiam as escolas a organizar o seu currículo de forma diferente. Os domínios de articulação curricular apontam, na linha do que organizações internacionais aconselham, para uma gestão integrada do currículo, menos fragmentada por disciplinas e gerida a partir de problemas que se pretendam conhecer e resolver. A concretização deste tipo de trabalho requer que se envolvam os alunos em projetos e atividades que os levem a estudar, a problematizar, a mobilizar a sua experiência pessoal e o conhecimento de diferentes áreas de saber. As experiências que muitas escolas já desenvolvem podem servir de exemplos para propostas da própria administração.
Convém sempre recordar que o cerne do trabalho de uma instituição escolar são as questões pedagógicas e didáticas. A resolução da falta de professores deve inserir-se neste propósito mais amplo de melhorar a diversidade, o conforto e qualidade do trabalho em sala de aula. Por conseguinte, o apoio que as escolas mais reclamam e precisam das estruturas de proximidade não se centra nas questões organizativas e logísticas tradicionais, determinadas por uma autoridade legitimada pelo poder hierárquico. O acompanhamento que importa dinamizar situa-se ao nível curricular e didático, promovendo a inovação e uma resposta qualificada a todos os alunos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico