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No Nordeste brasileiro, o trabalho não mata a sede, mas mata de sede
"Migração em massa, fome, sede e miséria estão associadas à seca na região do Nordeste do Brasil." Assim começa a sinopse do projecto Herança do fotojornalista carioca Leandro Martins, que se encontra em exposição na Casa da Cultura, em Avintes. As imagens que exibe em Vila Nova de Gaia até 11 de Novembro datam de 2012 e 2013, período em que a região sofreu a pior seca dos últimos 50 anos. Mas a situação actual não é radicalmente diferente. A seca manteve-se nos anos seguintes, até 2018, e, como refere a Folha de São Paulo, "ameaça tornar-se regra no semiárido". O efeito galopante e praticamente irreversível das alterações climáticas torna obsoleta a questão que Leandro coloca: "Até quando?"
O fotojornalista considera que "foi cometido um crime contra pessoas desprotegidas" (a população nordestina), implacavelmente condenadas "a morrer de sede e de fome diante de políticos e empresários que enriquecem com os frutos da devastação". A Herança, a primeira parte do projecto a que pretende dar continuidade em 2020, "tenta criar consciência pelo olhar". "Talvez, quem sabe, ajudar a encontrar alguma saída".
Foram precisos "olhos, coração e, sobretudo, paixão" para se movimentar entre as linhas da fronteira que demarcam o sertão de Pernambuco e o da Paraíba. Para olhar os rostos de quem trabalha arduamente e continua com sede e com fome. Em 2012 e 2013, quatro milhões de animais perderam a vida, relembra. As perdas materiais atingiram, então, os 20 mil milhões de reais — o equivalente a 4.398 milhões de euros. "Nos últimos 150 anos morreram, no Nordeste brasileiro, cerca de três milhões de pessoas em decorrência da seca e do descaso."
A negligência é fruto de inacção política. Leandro Martins garante que o tema é usado, de forma leviana, como trunfo eleitoral. "Prometem soluções que custam biliões aos cofres públicos", descreve. "O dinheiro que alimenta [essas soluções] ficou conhecido como a 'indústria da seca'. Os poderosos da região, que directa ou indirectamente fazem parte dos governos, usam a seca para obter benefícios, como mais crédito ou o perdão de dívidas. Os recursos são enviados pelo governo federal para a execução de obras pelos governos estaduais e o dinheiro desaparece." Sem deixar rasto. Fica, sugere, "na mão dos filhos, sobrinhos e apadrinhados daqueles que, em benefício próprio, perpetuam uma histórica tragédia".
Depois de sete anos de seca profunda, que teve início aquando dos registos de Leandro, a região nordestina registou, entre Novembro de 2018 e Abril de 2019, um volume de chuvas que ronda a média histórica da região.