Fotografia
São Paulo, a cidade “desumana” e “desigual”
São Paulo. A cidade mais populosa e extensa do Hemisfério Sul, que alberga 20 milhões de pessoas, tem a maior frota de helicópteros do mundo e, em simultâneo, o maior número de sem-abrigo do planeta. “Não existe apenas uma São Paulo, existem várias”, ressalva o fotógrafo italiano Luca Meola, residente no coração da “cidade da garoa”, como também é conhecida, há cerca de cinco anos. São Paulo contém, no seu interior, a famigerada e temida Cracolândia, mas, ao mesmo tempo, é também a casa da tribo indígena Guarani. “Quando trabalho para a Fashion Week [como fotógrafo] e me aventuro até à zona Sul da cidade, descubro um lugar completamente diferente, onde as pessoas são ricas, os condomínios são fechados e todo o mundo só anda de carro,” descreve o italiano, por e-mail, ao P3.
O projecto de Meola, Cidade da Garoa, é, no fundo, sobre esse grande universo. Se algo “cola” este conjunto de imagens é o inesperado, o insólito, a sensação de que, “a qualquer momento, tudo pode acontecer”. “Todas as fotos do meu projecto são verdadeiras”, refere. “São fotos urbanas de acontecimentos reais.” O italiano não gosta de fotografias “simplesmente descritivas”, prefere que sejam “surreais” ou “hiper-realistas”. E é isso que nos traz. Imagens que descrevem mulheres semi-nuas em plena via pública, beijos apaixonados, sem-abrigo visivelmente sem esperança, assaltos, cenários de crime e sobrelotação.
O quotidiano na cidade “é duro”. “São Paulo é uma cidade bem desumana”, descreve. “Sobretudo para as pessoas que moram na extrema periferia, que acordam às cinco da manhã para passar duas horas no transporte público lotado só para chegar ao trabalho e que, de noite, tornam a realizar a mesma proeza.” É uma cidade “perigosa”, adjectiva Meola. “É sempre bom andar nas ruas de olhos bem abertos, pois conheço muitas pessoas que já foram assaltadas, inclusive à mão armada.” A insegurança, explica, deve-se "à desigualdade social que a cada ano aumenta mais no Brasil".
Um dos aspectos que foca é a questão do beijo, que aparece em diversas imagens de fotografia de rua do italiano de Milão. “Nos meus roteiros, comecei a observar que encontrava muitas pessoas, muitos casais, a beijar-se nas ruas”, observa. “Assim, esses beijos viraram o fio condutor da minha narrativa.” Para o italiano, o beijo é um símbolo do amor e das relações, mas sobretudo “uma forma de resistência” à dureza da cidade. “Na fotografia de rua você é como um pescador, sai de manhã e volta só de noite, trazendo algumas boas imagens ou nada na rede. Nas ruas do centro de São Paulo é só esperar. Sempre vai acontecer algo inesperado e incrível.”
Em 2016, Meola partilhou com o P3 o projecto Os Filhos de Steinert, com retratos próximos de pessoas que sofrem de distrofia muscular miotónica — vale a pena rever.