Do adro do Panteão à passerelle de 60 metros no último dia de ModaLisboa
Folhos, lantejoulas e estampados são as propostas para a próxima Primavera/Verão. Jovens designers e nome consagrados partilham os holofotes.
Contrariando as previsões meteorológicas, o sol está quente na tarde do último dia de ModaLisboa. Às três em ponto, no adro da Panteão Nacional, já não restam muitos lugares. O desfile de Carolina Machado será ali, em pleno monumento nacional. Faz parte do ADN do evento abrir algumas actividades ao grande público para celebrar a moda. Na primeira fila, influenciadores digitais estrangeiros convivem com senhoras portuguesas com alguma idade. As famílias com crianças aproveitam o passeio de domingo e deixam-se ficar para assistir ao desfile. Os turistas curiosos fotografam a cena.
Ecoa a música e o primeiro coordenado entra na passerelle. Percebe-se de imediato que esta colecção foi pensada por uma jovem para jovens. A maquilhagem colorida mimetiza a cor dos coordenados. Lilás, laranja, amarelo e verde são algumas das cores que Carolina Machado escolheu, “cores pastéis, que predominam no sul de Itália”, explica a designer ao PÚBLICO.
A viagem de Carolina Machado à ilha de Capri, no Sul de Itália, em Agosto, inspirou a colecção “Dolce Vita”. “Apaixonei-me completamente: desde a arquitectura, às cores dos edifícios, o lifestyle italiano, a maneira como as pessoas se vestiam e arranjavam”, confessa a jovem da plataforma de criadores emergentes LAB.
Inspirada pela jovem moderna, “a miúda que vai à praia, mas que a seguir vai ao sunset”, Carolina Machado apresentou uma colecção divertida e que foi bem recebida pelos presentes. “Aquele vestido laranja era muito bonito. Sim senhor, muito bem”, exclama uma das senhoras mais velhas, na fila da frente.
Máquinas de costura antigas
É hora de rumar às Antigas Oficinas Gerais e de Fardamento do Exército. Dentro de poucos minutos, Constança Entrudo apresentará a sua colecção na Sala da Oficina de Confecções, que durante esta edição da ModaLisboa acolheu os criadores LAB - para muitos jovens criadores, esta é a etapa seguinte à participação no Sangue Novo para construção da sua própria marca.
Os militares cumprimentam a multidão que vai entrando pelos portões e ruma até à sala de desfiles. Ao fundo da passerelle está uma cortina branca com uma faixa em padrão tie dye. Atrás dos convidados, máquinas de costura antigas fazem recordar o passado desta sala.
“Please sit down” (por favor, sente-se), ouve-se repetidamente. A voz pergunta, de seguida, “What is behind that curtain?” (O que está atrás daquela cortina?). Numa espécie de performance, os modelos percorrem lentamente a passerelle. Chapéus grandes cobrem os rostos de muitos deles. Nos outros, deciframos um olhar fixo e vazio. O padrão tie dye da cortina é replicado em grande parte dos coordenados e acessórios, como malas em rede.
O deserto Atacama, no Chile, chega a Lisboa através de Ana Duarte. Inspirada pelas paisagens, a designer criou uma colecção diversa e, segundo o descritivo, pronta para enfrentar qualquer temperatura: desde os 40º até os -20º graus. O resultado é uma colecção urbana e diferente do comum.
A mulher-Gonçalo Peixoto e os “diferentes corpos” de Kolovrat
Gonçalo Peixoto, de apenas 22 anos, sente que “está tudo a explodir”. É esse o sentimento na sala principal de desfiles. Um vestido lilás abre o desfile cheio de cor. Animal print em tons fluorescentes, peças semitransparentes, em cetim, com folhos e lantejoulas, o jovem designer arrisca para a próxima Primavera/Verão.
Ao PÚBLICO, o criador explica que queria retratar os vários humores da mulher através “tecidos coloridos e engraçados, postos em sítios onde, se calhar, não pertenceriam no nosso imaginário”. “Há centenas de mulheres-Gonçalo Peixoto. Eu sou muito inspirado”, acrescenta. A plateia em êxtase no final do desfile é sinónimo de que o propósito foi certamente cumprido.
Do ambiente jovem e animado de Gonçalo Peixoto, na sala, instala-se outro que é oposto. A música lenta, e diferente do habitual, faz a sala silenciosa crepitar de expectativa. Um vestido comprido preto abre a passerelle de Kolovrat. O olhar escapa de imediato para os sapatos pouco comuns em formato de peixe.
Peças desconstruídas, viradas ao contrário, blazers oversized, um modelo com um frasco de detergente na mão: Lidija Kolovrat instala a disrupção na ModaLisboa. Além dos modelos jovens, a designer aposta também em pessoas mais velhas: o maior consumidor da marca. “Para nós faz muito sentido porque temos mais clientes de idade e diferentes corpos. Para que vou fazer uma colecção para pessoas magras quando são as que compram menos?”, justifica Kolovrat ao PÚBLICO.
A fechar: Carlos Gil e Luís Carvalho
Do Portugal Fashion, chega Carlos Gil, que quer apresentar “uma mulher de causas”, através de lantejoulas, folhos e riscas. O padrão mais utilizado é inspirado na Natureza e conjuga amarelo, verde, azul e preto. A plateia vibra e são várias as filas que aplaudem de pé.
Entretanto, lá fora a chuva cai. A melodia de Lana del Rey silencia os convidados em frenesim. É chegada a hora de conhecer a colecção de Luís Carvalho. É a stylist Tânia Dioespirro quem abre o desfile, num vestido de festa branco esvoaçante, conjugado com um casaco de plumas.
Os anos 1920 e a Art Déco inspiraram Luís Carvalho. Os clássicos, como fato de trabalho, são reinventados numa fusão entre o masculino e o feminino. As lantejoulas típicas dos “loucos anos 20” não passam despercebidas. A plateia ao som da banda sonora dança sem sair do lugar.
A banda sonora surpreende ainda mais quando, depois do último coordenado, um vestido rosa blush em cetim, aparece a cantora Ana Moura. Ao som da voz da fadista, as modelos percorrem os 60 metros da passerelle, num momento que os pequenos ecrãs não resistem a captar. Emocionado, Luís Carvalho abraça Ana Moura.
Termina assim a 53.ª edição da ModaLisboa. Os convidados abandonam lentamente as Antigas Oficinas Gerais e Fardamento do Exército. Na manhã desta segunda-feira, por ali, tudo voltará à normalidade, mas, certamente, ninguém esquecerá os dias em que o Exército se rendeu à moda.
Texto editado por Bárbara Wong