O ovo de Colombo dos iliberais polacos
A receita não é original mas é eficaz. Conquistar o poder através da justiça social e, depois, blindá-lo através da neutralização dos contrapoderes.
Em Outubro de 2016, o polaco Jaroslaw Kaczynski e o húngaro Viktor Orbán anunciaram uma “contra-revolução cultural” na Europa, visando uma reforma radical das instituições comunitárias e nacionais na era pós-Brexit. Era uma reacção conservadora e nacionalista contra o liberalismo ocidental que, diziam, promovia a dissolução dos valores tradicionais da família e da nação. Mas a “revolução cultural” tinha outra dimensão: a adopção de um modelo político que põe em causa os fundamentos do Estado de Direito e que os politólogos designam por “democracia iliberal”. É aspecto que aqui nos interessa: a arte de monopolizar e blindar o poder.
Neste domingo há eleições na Polónia. E as sondagens indicam que o partido de Kaczynski, Lei e Justiça (PiS), confirmará a sua hegemonia. Para avaliar o que está em jogo, é necessário recuar um pouco.
Os gémeos Lech e Jaroslaw Kaczynski governaram a Polónia entre 2005 e 2007. Jaroslaw chefiou o governo. Lech foi Presidente até 2010, data em que morreu num desastre de aviação. Invocando o nacionalismo polaco e um catolicismo integrista, propuseram-se monopolizar o poder para “refundar a Polónia”.
Tentaram anular os contrapoderes, da Justiça aos media. Praticaram uma política de “guerra civil permanente”. Lançaram um “caça às bruxas” contra os antigos comunistas e contra a elite católica liberal que dirigiu a transição democrática. Falharam e, em 2007, perderam as eleições para a Plataforma Cívica (PO, centrista), de Donald Tusk. O PiS não tinha a maioria absoluta. E também não conseguiu alargar a sua base eleitoral, na casa dos 30%.
Em 2015, o desgaste da PO era patente e, graças à dispersão da oposição, o PiS conquistou inesperadamente a maioria absoluta nas duas câmaras do Parlamento. Mas, desta vez, Jaroslaw mostrou que tinha aprendido muito.
Os “500 zlotys”
A primeira experiência de poder fora exageradamente agressiva e ideológica. Em 2015, o PiS adopta uma manobra de grande envergadura. Baixa a virulência e dá prioridade ao seu programa social. É o ovo de Colombo.
Se a PO estava politicamente gasta e desacreditada por alguns escândalos, não era fácil desacreditar a sua governação, traduzida é índices económicos impressionantes. A Polónia não sofreu recessão na crise financeira pós-2008 e reforçou a sua economia durante a crise do euro. Kaczynski continuou a denunciar a “arrogância” da elite liberal e pró-europeia, mas o fio condutor passou a ser a justiça social.
O PiS foi convincente: após 25 anos de crescimento económico ininterrupto, chegara o tempo de distribuir os benefícios. Num país em que as prestações sociais do Estado são muito inferiores à da Europa Ocidental, o programa dos “100 dias” tem uma medida-bandeira: o subsídio de 500 zlotys por filho (cerca de 120 euros).
O governo de Tusk subira a idade da reforma de 65 para 67 anos. Foi das suas medidas mais impopulares. O PiS prometia anulá-la, tal como prometia elevar o salário mínimo e garantir medicamentos gratuitos aos maiores de 75 anos. Era aquilo a que Kaczynski passou a chamar “o modelo social polaco”. Alguns analistas ocidentais escreveram que a direita polaca tinha um programa de esquerda.
O problema da oposição é que o PiS cumpriu as promessas. E, na campanha eleitoral deste ano, Kaczynski não cessou de proclamar a sua “credibilidade”. Por isso são eficazes as novas promessas feitas nesta campanha.
Os “contrapoderes”
Ganhas as eleições e instalado no poder, Kaczynski, que ficou fora do governo, não perdeu tempo. Lançou um imediato ataque às instituições que o poderiam condicionar: o Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal e o sistema judicial em geral. Segundo alvo: o controlo dos media. Não conseguiu alcançar todos os objectivos e espera por uma vitória amanhã para completar a ofensiva.
Kaczynski não aprecia a separação dos poderes, fundamento do Estado de Direito. Os constrangimentos impostos pelas instituições da democracia liberal são encarados como “impossibilidade legal” de governar. Ele evoca a “soberania popular”, ou seja, a vontade popular expressa nas urnas. Ao ser eleito, o governo não pode aceitar limites ao seu mandato. A separação dos poderes negaria a “soberania popular”. É este o argumento dos regimes polaco e húngaro.
O politólogo polaco Slawomir Sierakowski, com base em inquéritos, chama a atenção para as regras do jogo. A maioria dos polacos têm consciência da troca que estão a fazer, entre um monopólio do poder, que não apreciam necessariamente, e os benefícios que lhes agrada receber. Nada de original.
O PiS tem vários alvos para o “dia seguinte”. Quer, por exemplo, reduzir a imunidade dos juízes. Mas falta-lhe uma maioria de dois terços para mudar a Constituição. Quer “repolonizar” os media privados, ou seja, comprar televisões e jornais de propriedade estrangeira, essencialmente alemã e americana.
Jaroslaw Kaczynski sabe que os polacos mostraram, nas últimas décadas, serem imprevisíveis nas escolhas políticas. Por isso, aposta em “blindar” a hegemonia do PiS antes de se retirar. Já avisou que a idade e a saúde o impõem.
Nada é definitivo na Polónia.