Há três meses que ninguém ganha o Euromilhões. E a matemática não ajuda

Esta sexta-feira pode chegar ao fim o maior período sem vencedores da história do Euromilhões — ou talvez não. O PÚBLICO tentou perceber porque é que um jogo com tão poucas probabilidades de conquista reúne tantos apostadores.

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SEBASTIAO ALMEIDA

Esta sexta-feira, pela 22.ª vez consecutiva, a tômbola andará à roda na tentativa de quebrar o enguiço que dura há praticamente três meses: desde o sorteio do Euromilhões de 19 de Julho que nenhum apostador conseguiu acertar na chave vencedora. De acordo com informações facultadas ao PÚBLICO pelo Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, esta é mesmo a maior sequência de sorteios sem vencedor desde que o concurso foi criado, em 2004. O jackpot — que já atingiu o valor máximo permitido no actual regulamento — volta assim a ser de 190 milhões de euros.

Os apostadores europeus fazem fila para garantir uma aposta que, quiçá, lhes poderá rechear a conta bancária. Mas, como explica a matemática, a desilusão está garantida para uma imensa e absoluta maioria. “Já vi comparações com a probabilidade de uma pessoa morrer atingida por um raio enquanto passeia na praia. Ganhar o Euromilhões é, realmente, uma probabilidade muito, muito baixa. Mas está em jogo outro aspecto: a esperança matemática. Ou seja, o produto das probabilidades pelos ganhos. O prémio é tão elevado que, mesmo que com as hipóteses de sucesso reduzidas, o valor do jogo é razoavelmente entusiasmante”, explica ao PÚBLICO o professor catedrático Dinis Pestana, do Departamento Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Mas quão improvável é então acertar nos cinco números e duas estrelas? De acordo com os cálculos realizados pelo especialista, existem mais de 139 milhões de combinações possíveis — 139.838.160, para sermos exactos. Contas feitas, a probabilidade de registar a chave vencedora reduz-se a 0,000000007. Tendo em conta o preço de 2,5 euros de uma aposta simples, um jogador teria de desembolsar mais de 349 milhões de euros para registar todas as chaves possíveis. E caso usasse as cinco apostas possíveis em cada boletim, teria de entregar aproximadamente 23 milhões de folhas.

Independentemente da crueza destes números, os dados disponibilizados no site da Santa Casa da Misericórdia relativos ao último mês mostram duas tendências: o número de apostas aumenta em função do volume do jackpot e há sempre maior volume de apostas no sorteio de sexta-feira. Mas a ideia de esperar por um prémio mais elevado para apostar mais do que o habitual poderá ser contraproducente, explica o catedrático. “Apesar de a hipótese ser também muito baixa, corre-se o risco de existirem chaves repetidas, algo que levaria à divisão do prémio”, alerta o especialista. Mas, mesmo conhecendo ao pormenor as probabilidades, Dinis Pestana admite que será um dos que vão tentar a sorte esta sexta-feira: “A vida está cheia de improbabilidades, não é verdade?”

“Apostadores compram sonho por umas horas”

Tendo em conta a escassa probabilidade de sucesso neste jogo em particular, surge a questão: por que motivo tanta gente continua a apostar no Euromilhões?

Para o psicólogo Pedro Hubert, coordenador do Instituto de Apoio ao Jogador, existe uma vertente psicológica muito forte neste sorteio: “A componente emocional sobrepõe-se à racional, se bem que, na minha opinião, a maior parte das pessoas não tem noção das probabilidades. Mesmo com essa hipótese reduzida, podem argumentar que se não jogarem é mesmo certo não serem premiadas”.

O especialista em comportamentos aditivos garante que, mesmo nos jogadores ocasionais, podem ser identificadas algumas linhas de pensamento que justificam eventuais apostas. “[Na altura de decidir se apostam ou não] Algumas pessoas lembram-se daquela vez em que ganharam algum prémio, em detrimento de todas as outras em que perderam. Também há os apostadores que recordam determinado conhecido que foi premiado. Outros apostadores têm uma ilusão de controlo e pensam que se escolherem certos números têm maior probabilidade de sucesso. Por último, a necessidade: as pessoas quando precisam de dinheiro têm tendência a idealizar o que fariam com determinado prémio.”

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Com o aumento do jackpot sobem o número das apostas registadas Paulo Pimenta / PUBLICO

De acordo com Ricardo Maximiano, psicólogo especialista em comportamentos aditivos, o Euromilhões é, do conjunto de jogos disponíveis aos jogadores portugueses, um dos que menos viciam os apostadores portugueses. “O que estimula e reforça o comportamento aditivo, no que toca ao jogo, é a questão do ‘quase ganho’. Receber uns prémios de vez em quando que, posteriormente, estimulam o reforço do comportamento. No Euromilhões, devido à reduzida probabilidade de sucesso, isso não existe, os apostadores patológicos ficam desmotivados. O único problema é poder despertar uma potencial recaída, funcionar como um gatilho, no caso dos jogadores em recuperação”.

Na opinião deste psicólogo, outro dos factores que diminuem o risco deste jogo é a longa demora entre a aposta e o apuramento dos resultados. Ao contrário da roleta, blackjack e slot machines, por exemplo, onde o estímulo é quase imediato e a euforia intensa, os apostadores do Euromilhões têm de aguardar até conhecerem os resultados — no mínimo, uma hora; no máximo, vários dias. Do total de apostadores, 90% enquadram-se naquilo a que o psicólogo chama de “jogadores recreativos”, que apenas jogam por diversão. A ideia de que uma aposta equivale a “comprar um sonho por umas horas” é transversal aos vários tipos de apostador.

Em 2018, o Euromilhões foi responsável por 805 milhões de euros das vendas brutas dos jogos sociais, de acordo com dados da Santa Casa da Misericórdia, naquele que é um dos jogos mais populares (e lucrativos) em Portugal. Esta sexta-feira pode ser que a sorte bata finalmente à porta de alguém. Mas talvez seja melhor não criar grandes expectativas. 

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