O vinho português que provocou lágrimas no The Wine Show
É dito o “mais famoso” programa de vinhos do mundo e escolheu Portugal para a nova temporada. Os actores Matthew Goode, Matthew Rhys, Dominic West e James Purefoy são as estrelas. Sentámo-nos no Douro com Purefoy, o Marco António de Rome, e o guru do show, Joe “Obi-Wine-Kenobi” Fattorini.
Por breves momentos – uns vinte minutos bem medidos –, James Purefoy (Marco António na série de televisão Rome e serial killer em The Following) e Joe “Obi-Wine-Kenobi” Fattorini sentaram-se refastelados numa sala da Quinta do Noval, o Douro a seus pés, fazendo uma pausa nas filmagens de The Wine Show, série que brevemente irá revelar ao mundo alguns segredos bem guardados dos vinhos produzidos em Portugal e sobretudo algumas histórias que dão vida ao produto que está dentro da garrafa.
“Estávamos no Alentejo. Estava calor e tínhamos andado num terreno pesado com os corticeiros. No final do dia dei um golo e comecei a chorar”, começou o actor durante a conversa com a Fugas. “Talvez tenha sido um dia longo. Talvez estivesse emocional. Mas foi um vinho que me arrebatou. Nunca me tinha acontecido. Pode ter sido o ar, a temperatura ou o trabalho. Pode nunca mais voltar a acontecer. Mas naquele momento...”
É disso que trata The Wine Show, programa televisivo visto em mais de cem países e que, depois de França e Itália, escolheu Portugal para base de sete episódios, de uma hora cada um, que foram filmados em Julho deste ano e que serão transmitidos no início de 2020. Os apresentadores, especialistas em vinho (Joe Fattorini e Amelia Singer), aterram num país e lançam desafios a três actores célebres pelos seus papéis em séries televisivas – Matthew Goode (Downton Abbey, The Crown), Dominic West (The Wire ou The Affair), Matthew Rhys (Irmãos e Irmãs e The Americans), para além de James Purefoy – que vão descobrir as histórias por trás do vinho e das regiões onde é produzido.
“Digamos que trabalhamos contra a maré, contra a tendência dos produtores e dos vendedores de vinhos segundo os quais o que interessa é o que está dentro das garrafas”, aponta Fattorini, nome incontornável na crítica e no comércio de vinhos no Reino Unido nos últimos 20 anos – restaurantes, hotéis, bares e casamentos de celebridades, entre outros eventos internacionais como o PGA Tour de golfe.
“Eu digo que o que está dentro das garrafas abre janelas e portas para experiências que te fazem chorar”, reforça. “A parte interessante de mandar o James nestas missões é eu, como comerciante de vinhos, saber que existem sítios magníficos e vinhos incríveis e diferentes para descobrir. E especialmente em Portugal, que ainda não é muito conhecido por ter variedades ligeiramente complicadas de uvas e não ter propriamente o perfil de vinhos que encontramos em Espanha, Itália e França. Ele vai visitar estes sítios porque quero que as pessoas que vêm o programa pensem ‘adorava ir ao Alentejo; Setúbal parece interessante; afinal o vinho verde é delicioso, claro e cítrico.’ Se eles virem que tu vais e experimentas, vão querer fazê-lo também. Quando abres uma garrafa de vinho e provas, todas estas imagens estarão na tua cabeça.”
Ficaram na cabeça de James, “constantemente surpreendido” pelo “comprimento, a profundidade e o respirar do vinho português”. Di-lo de uma forma eloquente. “Não sabia muito sobre o vinho português. Não sou um especialista de vinhos. Tenho que deixar isso bem claro. Ele é que é o especialista. Eu não. Uma base do nosso programa é que acreditamos que, se nos dá prazer, é um bom vinho. Não interessa se custa cinco ou 500 euros. É lindo. E há alguns vinhos que knocked my socks off”. A tradução, como a crítica aos vinhos on the road, é muitas vezes livre. O actor, que diz ter passado “todo o Verão” a beber Vinho Verde ("é algo que podia beber ao pequeno-almoço”, confessa), deixa apenas um conselho a quem vê o programa e consome vinhos. “Respeita os produtores. Em vez de abrires uma garrafa, de o despejares no copo e de o entornares pela garganta, aproveita o momento, inspira, ouve o vinho. Presta atenção – só um bocadinho antes de o beberes. Deixa-o falar durante uns instantes. Porque podes aprender muito.”
Joe Fattorini é uma daquelas pessoas que escrevem sobre vinhos e daquelas que os vendem. E sabe que “essas pessoas podem ficar muito obcecadas com o seu mundo, que é fascinante e envolvente.” “Mas às vezes”, diz o apresentador, “é óptimo estar com um useful idiot [idiota útil] ["É bem verdade!”, interpela James], com uma pessoa normal que te diga ‘isto é o que realmente me interessa, isto foi o que me comoveu’. E não são necessariamente coisas sobre o tipo de solos, apesar de isso ser muito interessante. Em Portugal, por exemplo, há pessoas com características graníticas que vivem em sítios graníticos, como na região do Dão. Isso nota-se no vinho e nas pessoas.”
"O melhor trabalho do mundo"
A haver um resumo dos episódios gravados em Portugal (a gastronomia, Vasco da Gama e os Descobrimentos, a cortiça, a religião, o Douro e a herança inglesa) seria algo como “o vinho português reflecte a personalidade dos portugueses”. “Todas as pessoas são muito hospitaleiras e querem encher o teu copo – como eu descobri no passado sábado durante um almoço que durou dez horas. Portugal teve um império. E hoje recusa-se a arrancar a sua Touriga Nacional para plantar Syrah. Portugal e Itália mantêm as suas variedades. Há excepções, e lugar a experiências, mas na sua maioria os produtores portugueses trabalham as castas portuguesas, mesmo sabendo que os vinhos são mais difíceis de vender e mais difíceis de catalogar. Dir-te-ão ‘isto é o que fazemos aqui!’ E isso faz parte da personalidade dos portugueses.”
A equipa de The Wine Show orgulha-se de não viajar com preconceitos. “Somos muito preguiçosos. Normalmente somos preconceituosos quando viajamos”, admite James Purefoy, actualmente a gravar três séries (Sex Education, A Discovery of Witches e Fertile Crescent, sobre a guerra civil na Síria). “E o programa obriga-nos a trabalhar arduamente e a escavar mais fundo, a tentar encontrar alguma verdade do país. Tentar contar a história destas pessoas, neste país, através do vinho deles. No final, é um trabalho mais honesto.”
“Ainda hoje me sentei nesta sala com um produtor durante 45 minutos e aprendi coisas sobre vinho que não sabia (que o Vinho do Porto era tão bom enquanto jovem, por exemplo). E disse-lhe coisas sobre vinho que ele não sabia”, acrescenta, entusiasmado, Joe Fattorini, que antes de cada viagem mergulha num “bom livro sobre a história medieval e a sociedade do país”. Nunca lê um livro durante a exploração. “Porque nessa altura só quero conversar com as pessoas”, justifica o britânico poliglota que ainda está a tentar decorar o nome das barragens do Douro. “Será o teu novo tema Mastermind”, comenta o produtor Ross Westgate, a propósito da participação de Joe no Mastermind Celebridades em 2017 com vitória do especialista de vinhos (com dez pontos conquistados na área que escolheu para defender, “a navegabilidade da Rutlândia”, mais dez em cultura geral). “Experimentar vinho é como mudar de roupa”, disse Joe nesse concurso televisivo. “Às vezes ouço Bananarama, que é o vinho de 4,99 libras”.
Que se saiba, não há ninguém entre jornalistas de vinhos e comerciantes de vinhos que não queira o seu actual trabalho. “Perguntam-me ‘como raio é que conseguiste esse trabalho?’ É o melhor trabalho do mundo. Bebemos vinhos do século XIX, divertimo-nos imenso, visitamos sítios incríveis. E as pessoas abrem coisas muito, muito boas, coisas que nunca provaria noutras circunstâncias.” Garrafas e não só.
“Como especialista”, Joe adorou “as coisas estranhas de Colares” que provou. Mas sai de Portugal “apaixonado pelos vinhos do Alentejo ("Ficam bem com a comida. São magicamente interessantes e complexos. Têm grandes taninos, são frescos e muitos estão perto do oceano e por isso têm essa brisa)” e pelos brancos do Douro, que compara aos Burgundy ("Bebo vinho branco do Douro em vez de Burgundy porque não posso pagar um Burgundy. E estão os dois no mesmo lugar à minha mesa. São vinhos fabulosos e brilhantes").
“Vê-lo surpreendido com vinhos, olhos arregalados, é mesmo uma boa sensação”, comenta James, que em Julho chorou ao beber um copo do alentejano Cem Reis. “Pensei que ele sabia tudo! E não sabe! Também fica tocado com a espiritualidade do vinho. Também ele é um idiota útil. Nenhum de nós é imune a essas histórias. O Joe tem o coração aberto e uma atitude muito curiosa. Esse é o grande segredo do sucesso do programa. Nós somos assim. Não vamos a lado nenhum com ideias pré-concebidas. Mostrem-nos o que têm!”