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Chirac: A mais longa cimeira europeia

Foi em Nice, no início de Dezembro de 2000, que Jaques Chirac presidiu, porventura, à sua mais difícil cimeira europeia, que ficou na história por muitas razões. Entre elas o Tratado de Nice e o projecto de Constituição Europeia, que os franceses rejeitaram em 2005.

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Não tinha a panache de De Gaulle ou de Mitterrand, aquela distância do comum dos mortais de quem encarna a “grandeza da França”. Talvez porque fosse demasiado caloroso e afável - demasiado humano, escreve o Libération -, duas das características que toda a gente lhe reconhece. Partilhava com o general o mesmo sentimento ligeiramente eurocéptico, próprio do gaullismo, que ainda via a Comunidade Europeia como um instrumento ao serviço da França. Ironicamente, coube-lhe presidir ao fim de uma era em que Paris liderava a Europa, ainda ocidental, enquanto a Alemanha passava os cheques. Era assim o compromisso saído da II Guerra a que apenas a queda do Muro de Berlim viria pôr cobro, deixando emergir de novo no centro da Europa uma “grande potência” que começava lentamente a libertar-se dos constrangimentos da sua divisão durante a Guerra Fria.

Foi em Nice, no início de Dezembro de 2000, que Jaques Chirac presidiu, porventura, à sua mais difícil cimeira europeia, que ficou na história por muitas razões, entre as quais por ter sido a mais longa de sempre. Estava um tempo magnífico na bela cidade francesa do Mediterrâneo. Com a inevitabilidade do alargamento da União Europeia a Leste, era absolutamente indispensável alterar o sistema de votação no Conselho – o órgão onde estavam representados os Governos de uma União que já era de Maastricht, mas apenas a 15. Cabia à presidência francesa levar a cabo a reforma das instituições que contemplasse essa mudança.

No fundo, havia duas questões escaldantes em cima da mesa do Conselho Europeu. A primeira, como equilibrar o peso dos pequenos e médios países, cada vez mais numerosos, com o dos grandes, para que estes últimos não corressem o risco de ficar sistematicamente em minoria. A segunda, que peso atribuir a uma Alemanha unificada, que passava a ser o “maior” entre os “maiores”. Era uma questão de população. Mas era também quebrar um princípio implícito que existia desde a fundação da Comunidade: a igualdade entre Paris e Bona e, depois, Berlim. Para um Presidente da França era quase insuportável.

Gerhard Schroeder, o chanceler alemão, muito diferente de Kohl, que vivera a guerra, avisara que o seu país passaria a “defender o seu interesse nacional” como qualquer outro. O chanceler alemão não era dado a nuances, interessava-se pouco por História, era um pragmático. A Alemanha tinha de ter mais votos no Conselho. Numa conferência de imprensa verdadeiramente dramática, Jaques Chirac não hesitou em lembrar o passado da Alemanha e a sua dívida à França e aos outros países europeus, para defender a paridade. Um acordo só foi possível cinco dias e quatro noites depois. Nasceu o Tratado de Nice.

O chanceler exigiu a convocação de uma Conferência Intergovernamental para reformar de alto a baixo as instituições da União. Nasceu uma Constituição europeia. De vida curta. Os franceses, ainda com Chirac no Eliseu, chumbaram-na num referendo em 2005, desferindo-lhe um golpe fatal. A França precisava de tempo para se adaptar às novas condições geopolíticas de uma Europa alargada à dimensão do continente.

Chirac era uma personalidade complexa. Subordinava facilmente as convicções às conveniências políticas do momento. Um bulldozer quando queria atingir os seus objectivos. Mas a gente comum gostava dele e ele gostava da gente comum. Foi o primeiro Presidente a pedir perdão aos judeus de França pêlos crimes de Vichy em nome da República francesa.

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