Ainda os rankings, esse território de basbaques e pavões
Na verdade, o que isto simplesmente mostra é que o indicador é uma perfeita anedota que nada tem a ver com a qualidade da investigação praticada.
Começarei por uma declaração de interesses: desde os velhos tempos das minhas polémicas com José Manuel Fernandes neste jornal que sempre considerei de forma negativa os rankings por representarem uma visão simplista e, muitas vezes, incompleta e distorcida do que pretendem mostrar. A recente divulgação do novo ranking do Times Higher Education (THE) para 2020 só vem reforçar a minha opinião negativa.
De acordo com esse ranking, a Universidade Católica obtém uma pontuação de 94.6 em 100 no indicador de “citações” de artigos, do que resulta, também, a melhor classificação global entre as universidades portuguesas. A questão que se coloca é a de saber até que ponto esse indicador é fiável para apontar a excelência de uma universidade como instituição de investigação.
Consultando as tabelas do THE verifica-se que existem instituições maravilhosas que conseguem mesmo um redondo 100.0 neste indicador. Sim, instituições que andavam escondidas e que o THE agora revela como, por exemplo, a Universidade de Aswan do Egito, a Universidade Jordana de Ciência e Tecnologia e a Universidade de Peradenya do Sri Lanka. Mais modestas aparecem, por exemplo, a Universidade de Tecnologia Babol Noshirvani do Irão com 99.8 ou a Universidade de Cankaya da Turquia com 99.7. A Universidade Católica mais bem classificada é a Universidade Pontifícia Javeriana da Colômbia com 98.6. A minha velha e querida Universidade de Cambridge fica-se pelos 95.8, abaixo de Yale com 97.3, Oxford com 98.4 ou Harvard com 99.1. Na verdade, o que isto simplesmente mostra é que o indicador é uma perfeita anedota que nada tem a ver com a qualidade da investigação praticada.
Mas podemos comparar os rankings de 2019 com os de 2020. Em 2019, a instituição portuguesa mais pontuada neste indicador foi o Instituto Politécnico do Porto (essa conhecida universidade de investigação) com 64.9, seguido da U. Católica com 64.3 e da U. do Porto com 55.7. No ranking para 2020, a U. Católica subiu para uns esplendorosos 94.6, a U. do Porto subiu para 62.1 e o IP Porto desceu para 48.5. Ora o THE diz que para o ranking de 2020 utilizou as publicações indexadas entre 2014 e 2018 (cinco anos) e as respetivas citações entre 2014 e 2019 (seis anos). Quanto ao ranking para 2019, utilizou as publicações entre 2013 e 2017 (cinco anos) e as citações entre 2013 e 2018 (seis anos). Com este volume de artigos e de citações será praticamente impossível que uma instituição possa subir o indicador em 47% (de 64.3 para 94.6) num único ano sem que tenha havido qualquer alteração de critérios. Mas a fragilidade da metodologia do THE revela-se no facto de a fórmula de cálculo ser totalmente inacessível, estando obscurecida por afirmações como “we have blended equal measures of a country-adjusted and non-country adjusted raw measure of citation scores”.
A verdade é que a U. Católica acaba de passar por uma avaliação dos seus centros de investigação com resultados que estão bem longe do que o indicador do THE parece indiciar. Sendo verdade que a U. Católica tem alguns centros excelentes (e.g. nas artes, na biotecnologia ou nos estudos literários), também é verdade que tem centros mal classificados que não se coadunam com aquele indicador. Tem, por exemplo, quatro centros qualificados com fraco, dois deles em áreas em que a Universidade devia ser particularmente forte: História Religiosa e Teologia e Estudos de Religião.
Tudo isto mostra mais uma vez a falência do uso dos rankings. Infelizmente surgem sempre os pavões que, em vez de uma atitude de modéstia, se enfeitam com os louros imerecidos, mas também há os basbaques, particularmente alguns comentadores políticos que têm o condão de emitir opinião sobre tudo e sobre nada, mesmo que nada percebam do tema em apreço, e que não perderam a oportunidade de usar os resultados do THE.
É neste contexto que é de realçar a existência de Universidades de excelência como a Universidade de Cambridge, onde tive a felicidade de me doutorar e onde aprendi a pensar e a não aceitar a informação sem uma análise crítica rigorosa.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico