Oposição a Putin mostrou a sua força, mas as eleições são do Kremlin

Depois de um Verão de manifestações históricas, a contestação ao regime russo procura manter-se coesa. Há eleições em Moscovo este domingo.

Foto
Manifestação da oposição em Moscovo a 31 de Agosto Reuters/TATYANA MAKEYEVA

As eleições deste domingo para a Assembleia Municipal (Duma) de Moscovo ganharam uma importância inédita depois de terem estado no centro dos maiores protestos populares contra o Kremlin nos últimos anos.

A última coisa que se pode chamar às eleições para o órgão municipal da capital é entusiasmante. Em 2014, a taxa de participação foi de apenas 21%. Na Rússia há muito que as eleições deixaram de ser competitivas para se resumirem a rituais periódicos de consolidação do poder do círculo próximo do Presidente, Vladimir Putin. E quando em causa está um órgão pouco influente e quase sem poderes, a abstenção é o grande vencedor.

Mas este domingo, no entanto, é provável que o movimento em torno das mesas de voto seja maior. As eleições deste ano decorrem depois de um Verão de manifestações que deixaram o Kremlin inquieto. Como sinal de que os ânimos estão exaltados, na sexta-feira, um homem de cara tapada tentou atacar com um taser a presidente da Comissão Eleitoral, Ella Pamfilova.

Tudo começou em Julho, depois de vários candidatos alinhados com a oposição terem sido excluídos por não terem, segundo as autoridades eleitorais, recolhido o número mínimo de assinaturas para poderem concorrer.

As primeiras manifestações foram reprimidas de forma violenta pela polícia, que fez mais de mil detenções – o regime russo tem tolerância zero para manifestações não autorizadas e essa é uma justificação dada frequentemente para adoptar tácticas musculadas pela polícia. Porém, ao contrário do que tem sucedido nos últimos anos, a onda de protesto não esmoreceu. Na verdade, cresceu exponencialmente.

A 10 de Agosto, cerca de 50 mil pessoas encheram a enorme Avenida Sakharov, no centro de Moscovo, naquela que foi a manifestação mais participada desde os grandes protestos de 2012 e 2013 contra o regresso de Putin à presidência.

A magnitude desta onda contestatária é pouco condizente com a importância das eleições deste domingo. A Duma é um órgão municipal pouco importante, uma vez que grande parte do poder local está nas mãos do presidente da Câmara, Serguei Sobianin, e, do ponto de vista do regime, a eleição de um punhado de deputados opositores teria poucos efeitos práticos.

Os analistas notam que, ao ter adoptado uma estratégia tão inibidora face aos candidatos opositores, o Kremlin pode ter incorrido num erro de cálculo. “A recusa crua, de mão fechada, em autorizar candidatos declarando que a assinatura de pessoas reais é inválida levou para as ruas pessoas que noutras circunstâncias poderiam não votar nos candidatos recusados”, observa Andrei Pertsev, do Centro Carnegie de Moscovo.

“O apoio aos candidatos da oposição tornou-se numa manifestação da própria existência dos manifestantes: até o slogan usado em Moscovo é ‘Nós existimos’”, acrescenta o especialista.

A grande dúvida é quanto ao futuro desta onda de contestação ao Kremlin. Entre os opositores há o receio de que as tradicionais lutas internas acabem por desagregar o movimento sem que consiga alcançar nada de palpável para além de multiplicar o número de presos políticos, tal como tem acontecido desde que Putin chegou ao poder.

O protagonista continua a ser o controverso Alexei Navalni, que se celebrizou pela denúncia de casos de corrupção entre a elite política russa, mas que não reúne consenso entre a oposição. Depois da grande manifestação de 10 de Agosto, apoiada e promovida por si, Navalni fez um apelo público para uma mudança de estratégia, trocando as iniciativas de rua pelo voto estratégico.

“Temos de parar de contar pessoas interminavelmente em manifestações e recordar o objectivo pelo qual tudo isto começou”, escreveu Navalni no seu blogue. “Não precisamos de ter o maior comício – embora se isso acontecer seja óptimo – mas sim de derrotar o partido no poder nestas eleições”, acrescentou.

O objectivo da estratégia é que os eleitores votem nos candidatos com mais hipóteses de derrotarem os nomes conotados com o Rússia Unida, de Putin, mesmo que façam parte da chamada “oposição sistémica” – o conjunto de partidos autorizados a disputar eleições, embora submetidos ao Kremlin.

A partir do seu apelo, Navalni deixou de promover as manifestações, que diminuíram consideravelmente de adesão até ao final de Agosto. “Este é um momento muito importante, o movimento de protesto pode começar a dividir-se”, alerta o consultor político do Iabloko, da oposição, Maxim Katz, numa publicação no Telegram, citado pelo Moscow Times.

Sugerir correcção
Ler 15 comentários