Costa e Catarina disputam os louros “das contas certas” e dividem-se sobre nacionalizações
António Costa garante que não vai destruir as pontes de diálogo que construiu, Catarina Martins diz que o BE fará sempre parte de soluções “de estabilidade para a vida das pessoas”. Foi o debate das contas certas e dos posicionamentos políticos.
O debate entre António Costa e Catarina Martins foi, sobretudo, uma questão de dinheiro, mas também de posicionamento dos intervenientes. O “dinheiro dos portugueses” foi o eixo central de um debate com ambos a disputarem o título de campeões de “contas certas” e a atirarem ao outro dúvidas sobre despesismo, no caso de Costa a Catarina, ou contenção na despesa, no caso de Catarina a Costa, com o objectivo de Costa mostrar que o BE não está preparado para governar e Catarina a responder que são um partido da estabilidade e “razoável”. No fim, entre sorrisos não muito abertos, fica a certeza de que a líder do BE está disposta a falar porque não faltará “a soluções para estabilidade” da vida dos portugueses. Quanto a António Costa, mostrou-se interessado num “diálogo alargado” e não quis fechar a porta que abriu “há quatro anos” com os parceiros de esquerda.
“Eu não abri uma porta de diálogo ao PCP, BE e PEV para agora ser eu a fechá-la. Foram muitos anos a derrubar esse muro. O muro está derrubado e ninguém o vai reconstruir, seja qual for o resultado eleitoral e as condições de governabilidade que os portugueses decidam”, disse o líder do PS, taxativo.
Era um dos debates mais esperados depois das críticas que António Costa lançou ao Bloco de Esquerda, as quais mereceram uma resposta da líder bloquista. E se começou com contenção, da parte de Catarina Martins, que disse ter orgulho em tudo - mesmo os “fracassos” e “erros” - do que foi feito nos quatro anos e nas sementes que isso “deixou para o futuro”, tudo começou a aquecer com as respostas do líder socialista, para quem o PS foi “o fiel do equilíbrio desta solução”.
E a loiça começaria a estalar, mesmo que as respostas tenham sido sempre num tom suave, quando Catarina Martins exigiu explicações sobre as “contas” do programa do PS. “Este programa do PS é pouco concreto, não tem contas, não nos diz muito sobre o que pretende fazer”, atacou. Era esta a maior carta na manga de Catarina Martins, que ouviria António Costa responder-lhe com as contas do programa do BE.
Prendas de Natal
“Um programa realista não é um programa que propõe um aumento de 30 milhões de euros de despesa por ano, como o do BE”, disse. É um “programa que tem de fazer opções, não é um conjunto de prendas de Natal”. Em causa estava o facto de os bloquistas proporem a emissão de dívida que pode atingir cerca de 28 mil milhões de euros em renacionalizações de empresas de sectores estratégicos, da REN à Galp, passando pela EDP ou pelos CTT.
As nacionalizações, mais do que as contas, foram o assunto em que os dos líderes mais se dividiram: “Eu não vou gastar dinheiro dos portugueses a fazer estas nacionalizações para podermos ter escola pública, Serviço Nacional de Saúde”, disse António Costa. Este ataque de Costa tinha como objectivo mostrar que o BE ainda não está preparado para ser Governo: “Quando se governa, tem de se fazer opções”.
Catarina Martins ouviu e na resposta, mais explicativa do que política, disse que o BE assume “o dinheiro que vai investir” e “explica o seu projecto porque é sustentável e razoável”, comparando com os 25 mil milhões de euros que foram entregues à banca: “Temos de escolher onde fazemos o investimento.”
Foi nas contas que ambos se demoraram. Catarina Martins pegou no facto de o programa do PS desta vez não apresentar números e António Costa pelo facto de o programa do BE ter números a mais, leia-se despesa a mais. A bloquista quis saber afinal o que propõe o PS para os funcionários públicos uma vez que Mário Centeno admitiu, em entrevista ao Jornal de Negócios, aumentar os funcionários públicos à taxa de inflação, mas os números do Programa de Estabilidade, que o PS usou para se basear no seu programa, estarem previstos 95 milhões de euros “para tudo desde valorizações remuneratórias” à contratação de mais funcionários. “Quando olhamos para estes números, não chegam para a inflação, não chegam para contratar mais gente nem para as carreiras especiais, se calhar estas não vão ficar bem na fotografia”, disse a bloquista.
Carreiras especiais
Na resposta, Costa disse que é preciso “uma actualização” dos dados do Programa de Estabilidade no programa de governo e que o que pretende é “repor a normalidade da actualização salarial dos funcionários públicos” e “recuperar a capacidade técnica do Estado”. “A ideia não é nada cortar nas carreiras especiais, o que digo é que não podemos só olhar para as carreiras especiais”, defendeu-se. E logo contra-atacou questionando contas do BE que prevê “100 mil novas habitações a 60 mil euros o fogo. É um valor desactualizado, absolutamente desconforme com a realidade”. Catarina Martins respondeu dizendo que não era “construção” de habitações, mas sim requalificação de património do Estado já existente.
Neste debate, Catarina Martins tentou mostrar que o partido é uma garantia de “estabilidade”, em resposta ao que António Costa tinha referido numa entrevista ao Expresso, sobre o facto de um BE forte poder provocar instabilidade. E Costa falaria do “bom exemplo” que é a solução governativa portuguesa e de como quer evitar que o bom exemplo se transforme “numa solução à espanhola” - o Podemos, partido parceiro do BE, cresceu dificultando a criação do Governo. Catarina Martins arrumou o assunto numa resposta, dizendo a Costa que aqui não teria de negociar com deputados nacionalistas bascos e catalães. “Não faz sentido falar numa solução à espanhola”.
Os dois líderes falaram com cautela sobre o que se seguirá às eleições. Para Catarina Martins, em primeiro lugar é preciso evitar uma maioria absoluta socialista: “Quando se apurar quais as maiorias do Parlamento é que se vai trabalhar, agora eu acho que a maioria absoluta é perigosa. O Bloco assumiu uma enorme responsabilidade nas propostas que fez. O Bloco deu prova dessa capacidade e aprendeu muito com o trabalho que fez, temos de fazer balanços e olhar para a frente, para o que falta fazer”, disse.
Já Costa tinha referido que “nada voltará a ser como dantes. Evidente que o diálogo político deverá ser um debate político alargado, envolvendo o BE”, disse. Até porque “aprendemos a conhecer-nos melhor, a trabalhar em conjunto, a ter uma capacidade de compromisso e de respeito mútuo”. Ambos concordaram numa coisa, só o resultado das eleições vai permitir saber que maiorias poderão sair.