Foi o eleitor que pediu “contas certas”?
O objectivo do equilíbrio orçamental - ou das contas certas - já não distingue uns adversários políticos dos outros.
O fim-de-semana foi de festa política para o PSD, o Bloco, o CDS e o PS, mas as rentrées prosseguem daqui a oito dias e só terminam com o Avante! (PCP), na Quinta da Atalaia. Hoje começam os debates televisivos e radiofónicos entre os principais candidatos e intensificam-se as entrevistas. A campanha está a dar dos primeiros passos e as intervenções políticas - nem todas - focam-se em acentuar a diferença entre uns partidos e os outros.
Foi o que fez António Costa na entrevista ao Expresso, quando distinguiu o PCP e o Bloco, apontando baterias ao partido mais jovem dos dois, o único que parece estar em crescimento e que acredita poder beliscar o sonho da maioria absoluta que o PS não admite sonhar. Chamou a um “partido de massas” e a outro “partido de mass media”. O Bloco não ficou indiferente ao que considerou serem “caricaturas de mau gosto”. Seguiram-se várias declarações indignadas que culminaram com uma entrevista em que Catarina Martins descreveu o Bloco como o partido que quer “contas certas”. E acrescentou que o BE foi o partido da estabilidade nesta legislatura e precisa de mais 10% nas próximas eleições.
Os bloquistas assumiram frontalmente a sua ambição para as legislativas: entrar no campeonato dos grandes. Em vez de se distanciarem, aproximaram-se do discurso tradicional dos partidos que antigamente se dizia serem do arco do poder.
O Bloco não quer só crescer até aos 20% (mais 10 do que nas europeias, quando chegou aos 9,8%), chegando perigosamente perto do que o PSD obtém nas últimas sondagens, também quer fazer parte do grupo dos que se preocupam com o rigor e a estabilidade orçamental (não é isso querer contas certas?). Claro que o rigor de hoje já não se confunde, como há oito anos, com austeridade - aliás, essa palavra maldita foi entretanto banida dos programas eleitorais - mas não deixa de ser curioso ouvir palavras do líder do PSD ou do primeiro-ministro na boca da coordenadora do Bloco.
É que há um ano, era justamente Rui Rio que se apresentava como um líder de “boas contas", pronto para arrumar a casa e, depois, o país. A seguir, António Costa e Mário Centeno insistiram nessa ideia ao ponto de a revista Visão ter apelidado o ministro das Finanças de “homem das contas certas".
O objectivo do equilíbrio orçamental - ou das contas certas - já não distingue uns adversários políticos dos outros. Mais do que uma promessa, tornou-se num objectivo comum (apesar de não ter sido assim desde o início da crise). A verdade é que nas últimas eleições falava-se muito mais, à esquerda, em reestruturar a dívida, sair do euro ou rasgar o tratado orçamental do que em rigor. Agora, o discurso das contas certas, tão diabolizado nos tempos de Pedro Passos Coelho e da troika, tornou-se num discurso de esquerda em tempos de campanha.
Só depois das eleições saberemos se esta é a mensagem que os eleitores queriam ouvir em 2019. Com quatro anos de atraso.