Fotografia
Cholitas: mulheres indígenas que lutam, escalam e voam pelo direito à igualdade, na Bolívia
No início de Junho de 2019, o fotógrafo neozelandês Todd Antony voou até La Paz, na Bolívia, para começar dois projectos fotográficos que têm como protagonistas as famosas wrestlers cholitas, figuras indígenas da etnia aimará que são sistematicamente ostracizadas pela sociedade boliviana. São reconhecíveis pelas longas saias rodadas, pelos cabelos entrançados e chapéus de coco, mas também pela luta que travam, desde os anos 60, dentro e fora do ringue, contra a marginalização de que são alvo.
"A palavra cholita, que se refere às mulheres aimará, teve, em tempos, na Bolívia, uma conotação pejorativa", explica Todd ao P3, via email. "Recentemente, estas mulheres têm abraçado essa designação, assumindo-a como distintivo de honra." Há cerca de dez anos, lembra Todd, estas mulheres não podiam entrar em determinados restaurantes, usar transportes públicos ou frequentar alguns locais, por exemplo a Plaza Murillo, no centro de La Paz. Foi a partir de 2005, com a eleição do primeiro presidente ameríndio da Bolívia, Evo Morales, que as cholitas — e outros grupos indígenas — começaram a ver alguns dos seus direitos reconhecidos.
"Apesar de os dois projectos [fotográficos] terem como tema central a luta das cholitas contra a opressão racial, optei por abordar o tema de formas distintas", explicou ao P3, por email. O projecto Flying Cholitas surge do "cansaço" de Todd perante a repetida abordagem ao retrato destas mulheres. "Quis criar algo completamente fora do normal", reflecte. Por isso, decidiu retirar as cholitas dos ringues, onde costumam ser fotografadas, e levá-las para as ruas de El Alto, onde vive a maioria das mulheres aimará. "Aí tornaram-se, literalmente, nas cholitas voadoras que pairam sobre as ruas da cidade."
O projecto Cholitas Escaladoras Bolivianas, por sua vez, foi fotografado na montanha de Huayana Potosi, a duas horas de La Paz. "O pico de Huayana marca 6.088 metros de altitude", refere, apontando esse facto como o principal desafio à realização da série. Mas, contrapõe, "foi também onde toda a diversão começou". "Nesta sessão, partilhámos experiências que jamais esquecerei: no primeiro dia de sessão com as 'escaladoras', sentámo-nos ao pé do glaciar Zongo e comemos uma refeição todos juntos", relembra. Apesar de não falarem a mesma língua, o convívio revelou-se muito melhor que qualquer conversa. "Na primeira manhã, ao amanhecer, com Huayana Potosi à vista, realizámos uma cerimónia de oferenda à deusa Pachamama", a deidade máxima dos povos indígenas dos Andes centrais, "para nos garantir uma viagem segura". Durante o ritual, Todd e as cholitas beberam uma porção generosa de um licor tão poderoso "que faz com que a tua cabeça exploda". "As cholitas riram-se bastante enquanto bebia", relembra. "Elas são um grupo de mulheres extraordinárias."
No primeiro dia, ao todo, Todd e as cholitas subiram até aos cinco mil metros. "Àquela altitude, sem tempo para me adaptar às novas condições, bastou-me segurar a câmara e disparar para ficar sem fôlego." Dores de cabeça "lancinantes" e uma "sensação estranha de exaustão" são alguns dos sintomas que recorda ter sentido. "A certa altura, tivemos de recorrer a uma botija de oxigénio", narra. "A parte mais difícil foi tentar pensar claramente sobre o que estava a fazer enquanto o corpo me gritava para descer rapidamente a montanha."