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Sub-30: “não há limites” para Russa — e, por favor, não lhe falem de rap feminino
O momento em que Russa começou a escrever poemas foi uma espécie de epifania. E nasceu de uma motivação, no mínimo, peculiar: queria escrever uma dedicatória diferente de todas as outras na fita de finalista da melhor amiga — uma que não precisasse de assinatura para ser identificada. Mas, quando pegou na caneta, “não estava a sair nada”. Decidiu “dormir uma sesta” e quando acordou começou a escrever sem parar. “Foi mesmo assim, uma cena à filme”, relembra. “Percebi que era muito mais fácil para mim escrever em poesia.”
Foi nesta altura, há cerca de cinco anos, que Russa — na altura ainda Filipa Florêncio — começou a escrever com mais regularidade. Mas só para si, “as coisas ficavam no quarto.” Passou-se um ano e só então começou a “escrever para músicas” e a fazer alguns projectos. A entrada no mundo do hip-hop resultou de um processo inverso daquele que é habitual: primeiro começou a escrever e só depois a conhecer o lugar onde estava a entrar.
“O hip-hop já era uma coisa que me chamava mesmo muito a atenção. Mas eu nunca tive um mega conhecimento sobre o tema e só quando fui estudar para Lisboa, aos 18 anos, é que tive Internet em casa e comecei a explorar”, conta. Natural de Fazendas de Almeirim, em Santarém, Filipa já morou em cinco países — entre os quais a Rússia, daí a alcunha — e foi na Austrália que gravou a primeira música. “Nessa altura já me estava a aperceber de que queria mesmo isto”, conta. Procurou “pessoal que estivesse dentro da cultura” e encontrou “um japonês que gravava sons com pessoas de vários países, mesmo que não tivessem assim tanta técnica”. Encontraram-se e gravaram uma música metade em português, metade em japonês, com um refrão em inglês. Filipa ficou com a certeza de que queria “fazer uma coisa mais profissional” e quando voltou a Portugal começou a trabalhar de uma forma mais consistente. E nasceu a Russa.
Se, no início, o que escrevia era uma espécie de diário onde relatava “alguma coisa que fosse extrema”, agora escreve sobre qualquer coisa, “sem precisar de ser estimulada”: “É uma coisa tão natural que eu consigo estar a falar contigo e escrever sobre qualquer coisa que tu tenhas vestido, por exemplo.” Por isso, às vezes faz músicas autobiográficas — como Entre Lisboa e Londres — outras vezes faz críticas sociais — como Loira Burra — ou, simplesmente, “um som de festa”.
Em 2017 lançou a primeira mixtape T.P.C. e em 2018 o álbum Catarse. Este ano já lançou a mixtape L.S.D. e o EP Party Leftovers. No espaço de poucos meses ganhou o prémio Novos Talentos Fnac 2019, na categoria Música, com O Teu Abraço e foi eleita Artista Revelação no Prémio Mimo — vai, por isso, gravar um novo EP na produtora Valentim de Carvalho. O balanço deste último ano é, portanto, "positivo e estimulante": “Tenho imensa ambição e para o ano espero estar num patamar mais acima. Já no final deste ano vou começar a trabalhar de uma forma ainda mais séria.”
“Dantes, o hip-hop era uma coisa tão de nicho, que até havia uma certa incompreensão. E, se calhar, há muitas pessoas que ainda não sabem o que é a cultura hip-hop, mas acho que é bué positivo o rap estar a chegar a tanta gente porque isso faz com que se abram imensas portas”, refere. Ainda assim, é um mundo maioritariamente dominado por homens. E se por um lado isso cria uma espécie de “discriminação positiva” no início, porque “alguém que já viu imensos rappers homens vai memorizar quando vir uma mulher”, a longo prazo o cenário é diferente. “Parece que ficas naquela caixa que é o rap feminino — uma coisa que para mim não existe e eu odeio essa expressão — e nunca te comparam com um todo, o que para mim é bué ofensivo”, atira.
“Sinto que estou numa fase de preparação para o take off”, afirma. Quando lá chegar, não vai "largar o osso" — até porque "não há limites". "Os tópicos são infinitos, as coisas que podes misturar, as palavras — mesmo sendo finitas — podem ser misturadas de maneiras tão diferentes." E o que é que Russa quer? "Que oiçam falar bué bem" dela.
A série Sub-30 dá a conhecer jovens talentos portugueses.