Construir o SUES
O sistema de ensino superior ainda está excessivamente formatado por ideias de elitização, quando deveríamos estar a trabalhar na universalização do acesso.
Há um ano, chamei a atenção para a discrepância entre as vozes da desgraça, que há décadas anunciam uma débâcle demográfica do ensino superior, e a realidade dos números. Tal como referi na altura, há em Portugal quem nunca tenha vivido bem com a massificação do ensino superior.
A notícia atual sobre o crescimento do número de candidatos só surpreende quem não está atento e quem não conhece as razões do fenómeno de crescimento da frequência do ensino superior nos diversos continentes.
Em 1973, ainda no início deste processo da chamada “massificação”, o investigador Martin Trow estabeleceu uma tipologia do crescimento do ensino superior, dividido em três fases: elite, massas e universal. O critério era definido pela percentagem da coorte que frequentava o ensino superior: abaixo de 15% significava um sistema de elites, até 50% um sistema de massas e acima de 50% um sistema universal.
Portugal tem vindo a fazer o seu percurso, passando de um sistema de elites para um sistema massificado, faltando ainda algo para atingir o sistema universal. A nossa taxa bruta de escolarização no ensino superior (percentagem de alunos ou alunas matriculados no ensino superior face à população em idade normal de frequência desse ciclo) é de 50,2%, situando-nos no início do sistema universal. Note-se ainda que esta mesma taxa diminuiu de 55% para 48,1% entre 2011 e 2015, o que demonstra os efeitos da crise.
Mas há ainda um caminho para percorrer. Na coorte com 25 a 34 anos, o número de diplomados é de 34% da população, não só abaixo da média da OCDE (44,5%), como falhando o objetivo da União Europeia para 2020 (40%).
Importa perceber o que significam estes objetivos. Basta olhar para o top 10 dos países com melhores resultados no número de diplomados nesta faixa etária: Coreia do Sul, Canadá, Japão, Rússia, Lituânia, Irlanda, Austrália, Reino Unido, Luxemburgo, Suíça.
Os resultados nesta área contrastam com o subfinanciamento crónico (o gráfico que apresentei o ano passado é bastante elucidativo), que degrada a nossa capacidade.
O sistema ainda está excessivamente formatado por ideias de elitização, quando deveríamos estar a trabalhar na universalização do acesso. Temos de saber construir o Sistema Universal de Ensino Superior (SUES), o que significa olhar para o sistema de ciência, tecnologia e ensino superior como uma rede, que se articula de forma complementar e não na forma desigual e desequilibrada com que é muitas vezes encarada.
Desenhar este sistema implica uma estratégia de planeamento, que pode até resolver os desequilíbrios socioeconómicos entre diversas zonas do país. Isso implica passar de um sistema que transporta muito do reducionismo elitista (e até provinciano) do antigamente para algo mais equilibrado e que a todos acolha, combatendo desigualdades.
Temos todos os ingredientes para conseguir alcançar este propósito, nomeadamente, docentes e investigadores que se encontram articulados na sua investigação, incluindo em termos internacionais – mais poderiam estar, se não tivessem sido obrigados a responder a uma visão atomista, reducionista e particularista, que tem vindo a criar sérios problemas na inscrição em unidades de investigação.
Convém por isso relembrar que a palavra-chave, que surge na sigla OCDE, é cooperação.
Pensar este sistema significa ter ambição. Em vez do reducionismo em nome do elitismo do passado, importa trabalhar de forma articulada para ganharmos escala. Uma lição que recebemos do Plano Mestre do Ensino Superior da Califórnia, desenvolvido nos anos 60 por Clarck Kerr e que inadvertidamente inspira algumas das nossas research multiversities.
Não esqueçamos que “não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte”.
Sem receios, devemos abraçar este desígnio, com a nossa mais resoluta aspiração e vontade.