— Tens que me ajudar
— Em quê?
A Vanessa meteu-se comigo no chat do Facebook no preciso momento em que eu estava a pensar se ainda havia em casa detergente da roupa. O amaciador, tenho a certeza, já acabou. E também quase já não há comida. Quando os filhos saem de casa, há um grande risco de se regressar aos hábitos pré-maternidade. Ou mesmo pré-idade adulta. Nunca subestimar o risco de regressão.
E foi a pensar nos detergentes que respondi à Vanessa, via chat:
— Eu é que precisava de ajuda. Não me podes levar ao supermercado? Não tenho nada em casa.
— Pá, fogo. Eu preciso de ajuda numa coisa séria. Não é arranjar comida.
— Arranjar comida é uma coisa séria.
A Vanessa tinha ideias alegadamente mais sérias na cabeça.
— Eu preciso de ajuda para criar um novo perfil no Tinder.
É verdade que a Vanessa já tinha ameaçado que ia voltar ao Tinder.
— Mas tens a certeza que queres voltar ao Tinder? Se saíste foi porque achaste que aquilo não era grande coisa.
— Podemos mudar de ideias, não podemos? Toda a gente muda.
Claro que toda a gente muda de ideias e às vezes a uma velocidade supersónica. O PS era contra a criação de tribunais especializados em violência doméstica, agora já admite uma revisão constitucional para os criar (e ainda bem); Rui Rio era contra as 35 horas de trabalho, neste momento já é a favor (e também ainda bem). Por que não haveria a Vanessa de se reconciliar com o Tinder? Quanto a isto não sabemos, por enquanto, se ainda bem ou ainda mal.
— Vá, o que é que eu devo escrever no perfil? Que foto devo pôr? Muito sexy, médio sexy, com um vestido até aos pés?
— Uma foto gira, mas normal. Não inventes muito.
— Mas com maquilhagem, certo?
— Pouca maquilhagem.
— Não posso pôr um bâton vermelho?
— Mas tem que ser um giro.
— Eu tenho um óptimo, é o da Rhianna. Falta-me é o resto.
A Vanessa queria que eu lhe escrevesse a nota de apresentação do Tinder, que é uma espécie de CV para o amor (ou para os subúrbios do amor, onde melhor ou pior também se vive).
Eu sentia-me incapaz, a pensar em praticalidades, no frigorífico sem nada, no trabalho.
— Isso não pode ficar para amanhã?
— Oh pá, quando eu meto uma coisa na cabeça ou faço logo ou então já não vale a pena.
— Deixa-me ir fumar um cigarro.
Fui para a sala de fumo do PÚBLICO que tem vista para o rio Tejo, para o porto de Lisboa e para os contentores, objectos mais poéticos do que alcançam algumas vãs filosofias.
O que raio eu iria escrever para servir de CV da Vanessa no Tinder? Que gostava de ler? Banalidade. De praia? Toda a gente gosta. Os velhos anúncios de jornal, a coisa mais parecida com o Tinder que existiu no século XX, costumavam dizer “senhora procura cavalheiro para relação séria”. Mas a Vanessa queria uma relação séria? Eu duvidava. Para fazer um CV de jeito para o Tinder precisava de ter uma conversa com ela (continua no sábado).