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As mulheres do Sudão tentam ultrapassar as cicatrizes da violência física e psicológica
“A bala não mata. O que mata é o silêncio das pessoas”: o verso do poema que se tornou um hino dos protestos revolucionários no Sudão foi adoptado por muitos dos manifestantes que se reuniram vezes sem conta nas principais praças e avenidas de Cartum, capital do país africano. O objectivo foi alcançado: Omar al-Bashir, que governou durante três décadas, foi derrubado. Mas as feridas abertas durante o período de luta vão demorar anos a desaparecer.
As mulheres foram o rosto mais visível dos protestos. Presença constante na linha da frente eram, muitas vezes, as primeiras a sofrer a violência das autoridades sudanesas, que procuravam repelir os manifestantes através de intervenções musculadas. À violência física juntaram-se a violência psicológica e sexual.
Khadija Saleh viveu fora do Sudão durante seis anos, mas, tendo conhecimento dos protestos, sentiu a obrigação de regressar ao país de origem. “Saí de um local mais seguro porque queria um futuro melhor para este país”, afirmou, em declarações à Reuters. A mulher de 41 anos foi violentamente agredida pelas forças de segurança num protesto e ainda tem mazelas por curar.
Agressões são o relato mais comum: Nahid Gabralla, de 53 anos, foi espancada e recebeu ameaças de violação. Vários activistas, citando relatos de testemunhas oculares, denunciaram comportamentos intimidatórios de soldados arregimentados a Omar al-Bashir. Roupa interior feminina era colocada em postes. Cada peça representava uma violação. O grupo Médicos pelos Direitos Humanos, uma organização norte-americana que investiga quebras aos direitos fundamentais, citou relatos de médicos locais que apontavam para a violação de mulheres. Mas torna-se difícil provar que estas violações tiveram lugar.
“Nenhuma das sudanesas vai dizer que foi violada, por causa do estigma”, explica Hadia Hasaballah. A activista diz que estes ataques dirigidos às mulheres foram calculados, afirmando que as tropas governamentais sabiam que “conseguiriam humilhar todo um povo se humilhassem as mulheres”.
Várias leis adoptadas pelo Governo de Omar al-Bashir reforçavam esta humilhação. Todos os aspectos da vida pública feminina eram controlados pelos homens, com uma “lei da moralidade” a restringir fortemente a indumentária das mulheres. Usar calças, por exemplo, era crime punível com pena de prisão.
Consciente das possíveis implicações, Mahi Aba-Yazid, levou calças para os protestos. Pensa que foi, em parte por esse factor, que foi baleada e posteriormente agredida: “Tinha uma bala no braço. Estava a sangrar, mas eles continuaram a bater-me." Nadga Mansour foi detida durante 75 dias por ter participado numa manifestação anti-regime. Amel Tajeldin, mãe de quatro filhos, teve os dois braços partidos, enquanto se tentava proteger dos bastões da polícia.
Os relatos destas mulheres representam os de muitas outras que não tiveram voz ou atenção mediática, mas partilharam a mesma luta e sacrifício em prol da comunidade.