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Amianto: a ameaça invisível de que ninguém está (ainda) a salvo

Durante 15 anos, Louie Palu fotografou a "devastação causada pelo envenenamento industrial” nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Índia. Mostra o que viu no fotolivro A Field Guide To Asbestos.

Blayne Kinart, de 58 anos, foi trabalhador industrial e sofre de um cancro causado pelo contacto com o amianto: mesotelioma. Sarnia, Ontário, 2003. ©Louie Palu
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Blayne Kinart, de 58 anos, foi trabalhador industrial e sofre de um cancro causado pelo contacto com o amianto: mesotelioma. Sarnia, Ontário, 2003. ©Louie Palu

O fotógrafo Louie Palu não tem dúvidas de que “a grande maioria das pessoas e uma grande parte da comunicação social considera que a questão do amianto é algo que pertence ao passado”. Mas, garante ao P3 em entrevista por email, “não é”. “Há ainda milhões de toneladas de amianto nas estruturas de edifícios por todo o mundo. Está nos locais onde trabalhamos, onde habitamos, nos locais onde os nossos filhos estudam e brincam.” E Portugal, como se sabe, não é excepção

Por causa disso, o canadiano não deixa de trazer o tema a lume, apesar de sentir que existe uma “enorme resistência por parte dos meios de comunicação social em continuar a noticiar este assunto”. Os perigos associados à inalação de partículas de amianto são conhecidos de todos: a Direcção-Geral de Saúde aponta para asbestose, mesotelioma, cancro do pulmão e cancro gastrointestinal.

Desde 1991 que Louie Palu retrata os perigos do amianto para a saúde humana. Nesse ano começou a acompanhar, no Ontário e Quebeque, a vida dos exploradores de minério — nomeadamente de ouro, cobre, níquel, zinco, prata, urânio e metais raros. “Perto do final do projecto, em 2003, comecei a focar-me nas consequências do contacto com produtos tóxicos na saúde dos trabalhadores industriais”, explica. O projecto foi, então, amplamente divulgado nos jornais nacionais canadianos e chamou a atenção de um técnico de uma clínica que conhecia alguém que sofria de mesotelioma, uma doença estritamente ligada ao contacto com amianto. “Essa pessoa propôs que desenvolvesse um projecto sobre o tema e eu concordei. Assim, comecei a visitar doentes, a ouvir as suas histórias.” O fotolivro A Field Guide to Asbestos, editado pela Yoffi Press, resulta de uma longa viagem de 15 anos “pela devastação causada pelo envenenamento industrial” nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Índia.

Blaye Kinart, trabalhador industrial canadiano, foi o primeiro paciente que Louie viu morrer à sua frente, em 2004. Outras histórias de sofrimento se seguiram nos vários cantos do mundo, nem todas relacionadas com o contacto em primeira mão com o material. “Percebi, ao longo do percurso, que ninguém está a salvo da exposição ao amianto”, refere o fotógrafo num dos textos que compõem o fotolivro. “As pessoas que conheci que morreram de alguma doença relacionada com o amianto foram expostas em escritórios, escolas, pavimentos de fábricas. Em alguns casos, esposas e filhos [de trabalhadores que estavam expostos] morreram com cancros tipicamente causados pelo amianto sem nunca terem frequentado locais contaminados.” Nesses casos, a fonte foi a roupa trazida para casa pelos maridos e pais trabalhadores industriais.

Para realizar o projecto, Louie esteve em contacto com especialistas, médicos, técnicos de segurança do trabalho, com as vítimas e os seus familiares. “Este foi, para mim, um dos projectos mais difíceis de realizar”, confessa o fotógrafo. “A história é difícil de transformar em imagem devido à natureza invisível do material e à forma silenciosa como as vítimas adoecem e morrem.” Mas foi relativamente fácil chegar à fala com todas as partes. “Os trabalhadores convidaram-me a entrar nas suas vidas porque desejam que o mundo saiba disto.”

Louie Palu, que já recebeu duas bolsas Pulitzer para reportagem em contexto de crise e cujo trabalho já conheceu publicação no P3, espera que o lançamento do livro sirva de ponto de partida para a discussão sobre o tema. “É preciso olhar para trás e perceber que este material já foi de uso legal e que causou milhares de mortes.”

Blayne Kinart despede-se da sua filha Shari após uma visita a sua casa. Sarnia, Ontário, 2003.
Blayne Kinart despede-se da sua filha Shari após uma visita a sua casa. Sarnia, Ontário, 2003. ©Louie Palu
A cicatriz de John Nolan foi causada pela remoção cirúrgica de um pulmão, em 2014, que surgiu em consequência do diagnóstico de mesotelioma. Na imagem, John tem 67 anos. Foi exposto ao amianto durante a renovação do seu escritório em Windsor, Ontário, Canadá, durante os anos 80.
A cicatriz de John Nolan foi causada pela remoção cirúrgica de um pulmão, em 2014, que surgiu em consequência do diagnóstico de mesotelioma. Na imagem, John tem 67 anos. Foi exposto ao amianto durante a renovação do seu escritório em Windsor, Ontário, Canadá, durante os anos 80. ©Louie Palu
A vila que se situa junto a Black Lake, no Quebeque, é vizinha das minas Thetford, que mantêm, a céu aberto, 300 mil toneladas de partículas tóxicas de crisótilo, matéria asbestiforme. A referida mina é a região do mundo onde se produz mais amianto.
A vila que se situa junto a Black Lake, no Quebeque, é vizinha das minas Thetford, que mantêm, a céu aberto, 300 mil toneladas de partículas tóxicas de crisótilo, matéria asbestiforme. A referida mina é a região do mundo onde se produz mais amianto. ©Louie Palu
Vista a partir da vila, junto a Black Lake, sobre a mina Thetford. Pilhas de partículas de asbestiformes dominam a paisagem deste distrito do Quebeque.
Vista a partir da vila, junto a Black Lake, sobre a mina Thetford. Pilhas de partículas de asbestiformes dominam a paisagem deste distrito do Quebeque. ©Louie Palu
Uma mulher conforta o seu bebé no exterior da sua casa, que é feita a partir de telhas de amianto. Vive numa zona rural e pobre nos arredores de Ahmedabad, na Índia. Quase todas as residências desta vila - e de muitas outras por toda a Índia - são feitas a partir de materiais que contêm amianto.
Uma mulher conforta o seu bebé no exterior da sua casa, que é feita a partir de telhas de amianto. Vive numa zona rural e pobre nos arredores de Ahmedabad, na Índia. Quase todas as residências desta vila - e de muitas outras por toda a Índia - são feitas a partir de materiais que contêm amianto. ©Louie Palu
Um homem ajusta as telhas feitas à base de cimento com amianto na sua casa, na comunidade rural nos arredores de Ahmedabad, na Índia. A comunidade está nas imediações da fábrica que produziu essas mesmas telhas. Este homem partiu inúmeras telhas que contêm amianto sem usar qualquer protecção.
Um homem ajusta as telhas feitas à base de cimento com amianto na sua casa, na comunidade rural nos arredores de Ahmedabad, na Índia. A comunidade está nas imediações da fábrica que produziu essas mesmas telhas. Este homem partiu inúmeras telhas que contêm amianto sem usar qualquer protecção. ©Louie Palu
Trabalhadores no exterior de uma fábrica de peças automóveis que utiliza amianto na composição dos seus produtos, em Nova Deli, na Índia. Os trabalhadores não utilizam qualquer equipamento de segurança durante o trabalho, não têm acesso a qualquer equipamento que previna a inalação de partículas de amianto.
Trabalhadores no exterior de uma fábrica de peças automóveis que utiliza amianto na composição dos seus produtos, em Nova Deli, na Índia. Os trabalhadores não utilizam qualquer equipamento de segurança durante o trabalho, não têm acesso a qualquer equipamento que previna a inalação de partículas de amianto. ©Louie Palu
Raghunath Manwar examina o raio-x de um dos trabalhadores que foi diagnosticado com asbestose em Ahmedabad, na Índia. Raghunath é o dirigente de uma associação chamada Occupational Health and Safety Association, que presta apoio aos funcionários de uma produtora de energia e de uma fábrica de cimento que estão doentes com asbestose.
Raghunath Manwar examina o raio-x de um dos trabalhadores que foi diagnosticado com asbestose em Ahmedabad, na Índia. Raghunath é o dirigente de uma associação chamada Occupational Health and Safety Association, que presta apoio aos funcionários de uma produtora de energia e de uma fábrica de cimento que estão doentes com asbestose. ©Louie Palu
Capa do fotolivro "A Field Guide To Asbestos", editado recentemente pela Yoffi Press.
Capa do fotolivro "A Field Guide To Asbestos", editado recentemente pela Yoffi Press. ©Louie Palu