Fotografia
Amianto: a ameaça invisível de que ninguém está (ainda) a salvo
Durante 15 anos, Louie Palu fotografou a "devastação causada pelo envenenamento industrial” nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Índia. Mostra o que viu no fotolivro A Field Guide To Asbestos.
O fotógrafo Louie Palu não tem dúvidas de que “a grande maioria das pessoas e uma grande parte da comunicação social considera que a questão do amianto é algo que pertence ao passado”. Mas, garante ao P3 em entrevista por email, “não é”. “Há ainda milhões de toneladas de amianto nas estruturas de edifícios por todo o mundo. Está nos locais onde trabalhamos, onde habitamos, nos locais onde os nossos filhos estudam e brincam.” E Portugal, como se sabe, não é excepção.
Por causa disso, o canadiano não deixa de trazer o tema a lume, apesar de sentir que existe uma “enorme resistência por parte dos meios de comunicação social em continuar a noticiar este assunto”. Os perigos associados à inalação de partículas de amianto são conhecidos de todos: a Direcção-Geral de Saúde aponta para asbestose, mesotelioma, cancro do pulmão e cancro gastrointestinal.
Desde 1991 que Louie Palu retrata os perigos do amianto para a saúde humana. Nesse ano começou a acompanhar, no Ontário e Quebeque, a vida dos exploradores de minério — nomeadamente de ouro, cobre, níquel, zinco, prata, urânio e metais raros. “Perto do final do projecto, em 2003, comecei a focar-me nas consequências do contacto com produtos tóxicos na saúde dos trabalhadores industriais”, explica. O projecto foi, então, amplamente divulgado nos jornais nacionais canadianos e chamou a atenção de um técnico de uma clínica que conhecia alguém que sofria de mesotelioma, uma doença estritamente ligada ao contacto com amianto. “Essa pessoa propôs que desenvolvesse um projecto sobre o tema e eu concordei. Assim, comecei a visitar doentes, a ouvir as suas histórias.” O fotolivro A Field Guide to Asbestos, editado pela Yoffi Press, resulta de uma longa viagem de 15 anos “pela devastação causada pelo envenenamento industrial” nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Índia.
Blaye Kinart, trabalhador industrial canadiano, foi o primeiro paciente que Louie viu morrer à sua frente, em 2004. Outras histórias de sofrimento se seguiram nos vários cantos do mundo, nem todas relacionadas com o contacto em primeira mão com o material. “Percebi, ao longo do percurso, que ninguém está a salvo da exposição ao amianto”, refere o fotógrafo num dos textos que compõem o fotolivro. “As pessoas que conheci que morreram de alguma doença relacionada com o amianto foram expostas em escritórios, escolas, pavimentos de fábricas. Em alguns casos, esposas e filhos [de trabalhadores que estavam expostos] morreram com cancros tipicamente causados pelo amianto sem nunca terem frequentado locais contaminados.” Nesses casos, a fonte foi a roupa trazida para casa pelos maridos e pais trabalhadores industriais.
Para realizar o projecto, Louie esteve em contacto com especialistas, médicos, técnicos de segurança do trabalho, com as vítimas e os seus familiares. “Este foi, para mim, um dos projectos mais difíceis de realizar”, confessa o fotógrafo. “A história é difícil de transformar em imagem devido à natureza invisível do material e à forma silenciosa como as vítimas adoecem e morrem.” Mas foi relativamente fácil chegar à fala com todas as partes. “Os trabalhadores convidaram-me a entrar nas suas vidas porque desejam que o mundo saiba disto.”
Louie Palu, que já recebeu duas bolsas Pulitzer para reportagem em contexto de crise e cujo trabalho já conheceu publicação no P3, espera que o lançamento do livro sirva de ponto de partida para a discussão sobre o tema. “É preciso olhar para trás e perceber que este material já foi de uso legal e que causou milhares de mortes.”