Somos cada vez mais multialérgicos

Rinite, conjuntivite, asma, dermatite atópica, alergia alimentar são hoje doenças comuns em todas as idades e que podem muitas vezes coexistir em simultâneo na mesma pessoa ou manifestar-se de modo alternado ao longo dos anos.

As alergias são cada vez mais frequentes, múltiplas e graves!

O Zé vai hoje à consulta. Ainda agora saiu da cama e já tem o nariz a pingar. Põe os pés nos chinelos e espirra logo três vezes. Tem umas olheiras grandes; foi mais uma noite… No meio do sorriso traquina que caracteriza os seus 5 anos, lá vem a tosse. A tosse que leva a família ao desespero: “Não corras! Pára quieto senão ficas pior!” De noite, de dia, a tosse está sempre lá. O pior é quando vêm os apitos no peito, a chiadeira e o Zé deixa de brincar. Já teve de ir para as urgências várias vezes e no Inverno passado ficou mesmo internado. A pele agora está melhor, menos seca, já não abre gretas e o Zé coça-se muito menos, mas tem de pôr o creme várias vezes por dia, senão piora. Agora já não tem alergia ao leite mas ainda não pode comer nada com ovo. “Já nos habituámos. E ele sabe que não pode comer; nas festas de anos não toca em nada, felizmente!”

O Zé tem 5 anos, é alérgico aos ácaros e aos pólenes de gramíneas. Tem asma, rinite, conjuntivite alérgica e dermatite atópica… e alergia ao ovo. As queixas de alergia começaram logo aos quatro meses, quando teve o primeiro episódio de anafilaxia (a manifestação mais grave de alergia) quando começou as papas. Depois de usar um leite especial durante anos, a alergia ao leite passou finalmente.

Este é o retrato de cada vez mais crianças no nosso país. As alergias são cada vez mais frequentes, múltiplas e graves … mas felizmente existe tratamento!

Rinite, conjuntivite, asma, dermatite atópica, alergia alimentar são hoje doenças comuns em todas as idades e que podem muitas vezes coexistir em simultâneo na mesma pessoa ou manifestar-se de modo alternado ao longo dos anos.

A rinite afeta um em cada três pessoas; metade terá também conjuntivite alérgica. Mais de 10% das crianças e adolescentes têm dermatite atópica, e a asma atinge um milhão de portugueses. De entre os asmáticos, 80% tem também rinite. A alergia alimentar afectará 5 a 10% das crianças no nosso país e é a causa mais frequente de anafilaxia em idade pediátrica. Na maioria dos casos, estas doenças têm início na infância mas a verdade é que as doenças alérgicas podem ter início em qualquer idade, incluindo em adultos e idosos. As doenças alérgicas estão assim no “Top 5” das doenças crónicas em todas as idades e a previsão é que continuem a aumentar.

Antes não havia tantas alergias… O porquê desta “epidemia” de alergias?

As doenças alérgicas são multifactoriais, isto é, têm uma forte influência genética, herdada de pais para filhos, que é modulada por factores ambientais. O aumento rápido na frequência das doenças alérgicas justifica-se pelas alterações ambientais ocorridas nas últimas décadas. Típicas dos países ditos desenvolvidos, as recentes mudanças no estilo de vida são algumas das explicações. O sedentarismo, o facto de passarmos muito mais tempo em casa e na escola em espaços fechados com menos tempo ao ar livre, o aumento da poluição atmosférica (que interage com os alergénios), o aumento do tabagismo, o uso excessivo de anti-inflamatórios e de antibióticos, a obesidade e a alteração dos regimes alimentares (por exemplo: fast-food cada vez mais consumida em vez de dieta mediterrânica cada vez mais esquecida; sal e mais sal e o tipo de gorduras que comemos) são alguns dos factores que contribuíram para o eclodir das doenças alérgicas como um dos problemas deste século.

Prevenir é o melhor remédio para tratar as alergias!

Mudar o nosso estilo de vida está nas nossas mãos. Desde as pequenas alterações individuais, às maiores, colectivas, de planeamento das nossas cidades, dos nossos meios de transporte, do que fazemos, do que comemos, do que respiramos… Não desvalorizar, não ignorar o problema, não arriscar.

Está sempre constipado? Provavelmente tem rinite. Tem crises repetidas de falta de ar ou fica com pieira/chiadeira no peito? Deve ser asma. Olhos vermelhos com comichão? Será conjuntivite alérgica? E a pele? Repete-se o vermelho, a comichão com pele seca, a descamar? Pode ser dermatite atópica… Para estas queixas que se repetem no tempo, o diagnóstico precoce é essencial, independentemente da idade. Sem tratamento, a inflamação alérgica que caracteriza a doença alérgica pode aumentar, agravar, expandir-se. É melhor prevenir!

O diagnóstico das doenças alérgicas é clínico – um médico treinado faz rapidamente o diagnóstico – e o tratamento pode ter início imediato. Olhe que não passa com a idade!... Os tratamentos, se bem utilizados, são eficazes e seguros em crianças, em grávidas, em adultos e idosos. E não só com medicamentos, mas também com medidas de controlo do ambiente, para que este seja saudável para todos. O objectivo do tratamento centra-se em devolver a qualidade de vida que a doença alérgica teima em roubar. Ajuda a prevenir sinusites, otites, problemas de audição, noites “mal dormidas”, mau rendimento escolar, alterações irreversíveis da função pulmonar, recurso aos serviços de urgência e internamentos, absentismo e presentismo…

As doenças alérgicas estão entre nós, na nossa família, nos nossos amigos. Afectam-nos. Mas também nos cabe, a todos nós, mudar.

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