Interior
Despovoamento: as histórias de quem viu partir toda a gente
Durante quase três meses, ao volante de uma autocaravana, o fotógrafo Ricardo Lopes percorreu as estradas do interior centro do país e visitou as aldeias que se estendem entre Leiria e Coimbra. Encontrou zonas profundamente despovoadas, envelhecidas, empobrecidas, como descreve em entrevista telefónica ao P3. Esta é, para si, uma região especial; é aquela onde estão cravadas as suas raízes familiares. “A minha avó ainda vive lá. O meu pai já estudou em Lisboa e eu nasci em Lisboa”, refere, falando da história desta região, profundamente marcada pelo êxodo rural e emigração. A pobreza que se fazia sentir durante o Estado Novo impulsionou a fuga, em direcção ao litoral ou ao centro da Europa. “Passados mais de 50 anos, a região centro de Portugal continua a debater-se com o fenómeno do despovoamento”, conclui o autor do projecto Interior, que se encontra em exposição no Palácio dos Anjos, em Algés, até ao dia 23 de Maio. “Mas ainda há quem continue a sentir estes locais como uma casa.”
Ricardo tentou abrir as portas dessas casas à sua passagem, mas viu a tarefa dificultada pela desconfiança que se instalou no seio dessas esparsas, reduzidas e resistentes comunidades. “Existe um grande sentimento de insegurança nestas aldeias que é motivado pelo isolamento e pelos assaltos, burlas, vandalismo”, explica o fotógrafo. “Eles têm medo de pessoas estranhas.” Com a ajuda da avó, que o apresentou a alguns dos retratados, Ricardo teve acesso ao interior do interior do país, aos sentimentos e histórias de quem o habita. “Descobri que a vida era mais simples, mas muito mais dura”, reflecte. “Conheci histórias trágicas relacionadas com mortalidade infantil, falta de acesso a educação e serviços de saúde, escassez de alimentos. Havia uma pobreza muito mais severa, há 50 ou 60 anos, do que achei que existisse. Por outro lado, a vida era mais descomplicada. As pessoas viviam para adquirir uma parcela de terra e para poderem sustentar os filhos.”
Aqueles que resistiram “viram desaparecer a tradição agrícola, os rituais sociais, o conhecimento popular”. Desapareceram os jovens e com eles os costumeiros bailes, os casamentos entre pessoas de aldeias vizinhas, as crianças a correr pela aldeia. “Hoje o que existe está desvirtuado”, refere o lisboeta, aludindo às festas ou rituais religiosos que são, por vezes, recuperados por motivações de natureza turística e económica. “As pessoas contam estas histórias com saudade e senti que tiveram prazer ao partilhá-las comigo.” Algumas podem ser conhecidas através das legendas das imagens.
Ricardo gostaria de dar continuidade ao projecto Interior, que desenvolveu com o auxílio do multipremiado fotógrafo Mário Cruz durante a masterclass Narrativa. “Gostaria de estendê-lo a outras zonas de Portugal e, quem sabe, no futuro publicar um livro sobre o tema.” O fotógrafo acredita que o despovoamento tem um impacto muito mais profundo do que pode ser entendido à primeira vista. “A inviabilidade económica decorrente da fragmentação da propriedade agrícola e a indiferença dos herdeiros proprietários das terras leva a um crescimento florestal desorganizado que dá origem, todos os anos, a incêndios incontroláveis”, exemplifica. “Nesta zona, em particular, arderam, em 2017, quase 300 mil hectares de floresta e, em consequência, morreram mais de 100 pessoas.”