Ministério Público arquiva inquérito à adopção ilegal de crianças pela IURD

Eventuais crimes já teriam prescrito, mas despacho de arquivamento refere também que investigação efectuada pelas autoridades desmente alegações de pais biológicos das crianças envolvidas.

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Ministério Público diz que pais nunca se queixaram, antes da reportagem da TVI Adriano Miranda

O Ministério Público arquivou o inquérito aberto para investigar uma alegada rede ilegal de adopção de crianças montada pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), na década de 1990, confirmou este sábado fonte da Procuradoria-Geral da República. “Confirma-se que o inquérito conheceu despacho de arquivamento”, disse à agência Lusa uma fonte oficial da PGR.

No despacho de arquivamento do inquérito-crime, instaurado no final de 2017, na sequência de uma reportagem da estação televisiva TVI que denunciava a alegada existência de uma rede ilegal de adopção de crianças, o Ministério Público (MP) refere que os crimes em investigação já prescreveram.

Apesar da prescrição dos alegados crimes, segundo noticiou este sábado o semanário Expresso, o procurador revelou no despacho que as alegações dos pais biológicos foram desmentidas pela investigação, nomeadamente pelas perícias da Polícia Judiciária às assinaturas de duas mães de crianças adoptadas.

Segundo adiantou o semanário, as mulheres garantiram à TVI nunca ter assinado qualquer documento relacionado com a adopção dos filhos, o que afinal fizeram. O magistrado do MP referiu que “foi igualmente desmentido por parte das restantes diligências de prova” que um pai, que aparecia na reportagem, “desconhecia que a filha tivesse sido entregue” a um bispo da IURD.

No documento salienta-se ainda que, até à reportagem televisiva, nunca os pais biológicos apresentaram queixa pela alegada retirada ilegal dos filhos.

De acordo com o MP, ao longo dos anos, desde o acolhimento dos menores no Lar Universal da IURD ou na Associação Casa de Acolhimento Mão Amiga, “não houve notícia de qualquer pai ou mãe biológica que tivesse junto de qualquer entidade pública apresentado queixa pelo desaparecimento de qualquer criança ou da impossibilidade de aceder a qualquer criança” em qualquer das instituições.

Sem queixas antes da reportagem

O procurador conclui, assim, que só no âmbito da reportagem da TVI é que os pais “apareceram em público a afirmar genericamente nunca terem concorrido para que os filhos fossem institucionalizados no lar da IURD, o que fizeram”.

A reportagem da TVI denunciou, em Dezembro de 2017, a alegada existência de uma rede de adopções ilegais de crianças por parte da IURD. Os supostos crimes teriam acontecido na década de 1990, com crianças levadas de um lar em Lisboa, alimentando um esquema de adopções ilegais em benefício de famílias ligadas àquela igreja que moravam no Brasil e nos Estados Unidos da América.

A IURD tem refutado as acusações de rapto e de um esquema de adopção ilegal de crianças portuguesas, considerando-as fruto de “uma campanha difamatória e mentirosa”.

Na base do inquérito agora arquivado está o conjunto de dez reportagens da TVI, O Segredo dos Deuses, exibido em Dezembro de 2017, no qual se apontava para a existência de uma rede ilegal de adopções que entregaria crianças portuguesas a figuras da IURD. O caso chegou mesmo ao Parlamento, depois de as reportagens terem motivado várias vigílias de protesto no país, contra as alegadas adopções ilegais. O PSD e o CDS propuseram que fossem criadas comissões, para averiguar o que tinha acontecido, mas as propostas seriam chumbadas pelo PS, PCP, PEV e Bloco de Esquerda. O PAN absteve-se.

O caso já deu origem a várias intervenções por parte de envolvidos na reportagem e da própria IURD. Em Julho do ano passado, o Tribunal Cível de Oeiras aceitou uma providência cautelar interposta por um dos jovens visados na reportagem, hoje já adulto, que obrigava a TVI a desfocar a cara do menor nas reportagens e a retirar o seu nome dos três episódios em que era referido. Já este ano, o Tribunal Central Administrativo do Sul condenou a Entidade Reguladora para a Comunicação Social a obrigar a TVI a divulgar um direito de resposta da IURD sobre este caso.