Tema das barragens da EDP fica de fora do relatório das rendas da energia

Documento elaborado pelo Bloco de Esquerda perde peça fundamental na votação desta quarta-feira. PSD votou contra um dos capítulos mais polémicos, PS e CDS abstiveram-se.

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O relatório elaborado por Jorge Costa está a ser votado nesta quarta-feira Miguel Manso

O tema das barragens da EDP é um dos mais polémicos quando se fala nas “rendas da energia” e um dos que mais horas consumiu nas dezenas de audições da comissão de inquérito aos pagamentos aos produtores de electricidade, mas vai acabar por ficar de fora do relatório final da comissão, que está a ser votado esta quarta-feira na Assembleia da República.

O segundo capítulo do relatório produzido pelo deputado do Jorge Costa – intitulado “A extensão sem concurso do uso do Domínio Público Hídrico a favor da EDP e metodologia do cálculo da compensação a pagar ao SEN [sistema eléctrico nacional]” – foi cortado da versão final do relatório depois de o PS e o CDS se terem abstido na votação sobre o corpo do texto do capítulo, e de este ter sido chumbado pelos deputados social-democratas.

Antes, o PSD já tinha visto serem chumbadas quer as propostas de eliminação de passagens do texto, quer de inclusão no documento de um “conjunto vastíssimo de aditamentos, quase um capítulo alternativo”, nas palavras do presidente da comissão, Emídio Guerreiro.

Na declaração antes da votação, o deputado do PSD Jorge Paulo Oliveira defendeu que nada na legislação aprovada antes de 2007 pelos governos sociais-democratas de Durão Barroso e Santana Lopes vinculou o Estado a atribuir à EDP a extensão do domínio público hídrico sem concurso. “O Governo de José Sócrates não tinha a obrigação” de atribuir o domínio público hídrico das centrais à EDP, “se o fez foi por opção política”, disse o deputado do PSD.

Quando foi ouvido na comissão de inquérito, Manuel Pinho defendeu que não só a EDP tinha um direito, “consagrado na lei”, de continuar a explorar as barragens quando cessassem os contratos de aquisição de energia (e fossem substituídos pelos CMEC), como a alternativa à extensão seria o Estado português pagar 1300 milhões à EDP e lançar um leilão. E, para isso, “não havia condições”, disse então o ex-ministro.

Já Hugo Costa, do PS, anunciou de antemão a opção dos socialistas de se absterem na votação deste capítulo, por considerarem, entre outros aspectos, que o projecto de relatório “desvaloriza a aprovação da Comissão Europeia à metodologia” que foi usada para calcular o valor que a EDP pagou pela extensão do prazo de exploração das barragens.

Esse é um dos temas mais controversos em todo este dossiê porque o valor (cerca de 700 milhões de euros) assentou em duas avaliações produzidas por bancos, que eram inferiores ao valor que foi calculado pela REN, e que usaram metodologias de cálculo diferentes da utilizada pela empresa que tem a gestão técnica do sistema eléctrico. A Comissão Europeia estava a analisar a ausência de concurso público, mas validou a forma como o Estado português definiu então o valor da compensação que foi paga pela eléctrica.

No capítulo que não vai constar na versão final do relatório, Jorge Costa recomenda que se crie “um mecanismo de revisibilidade anual da compensação paga ao Estado pela EDP pela subconcessão do domínio público hídrico” que deverá “corrigir o efeito da subcompensação recebida da EDP em 2007” e incluir outros acertos relativos a ganhos de exploração que os estudos de 2007 não contabilizaram.

O prolongamento do prazo das barragens à EDP sem a realização de um concurso público, assim como a licença sem prazo atribuída à central eléctrica de Sines em 2007 (sem o pagamento de uma contrapartida ao Estado) são, segundo o deputado do Bloco de Esquerda, duas das “principais vantagens” que o regime dos custos para a manutenção do equilíbrio contratual (CMEC) veio conferir à EDP. Jorge Costa sublinhou que o PSD “inviabilizou que a comissão de inquérito pudesse chegar a conclusões válidas sobre um dos temas mais graves” no dossiê da energia.

O deputado comunista Bruno Dias quis “deixar bem claro” que o voto favorável do PCP “não significa” que o PCP subscreva integralmente o documento produzido pelo deputado do Bloco de Esquerda: “O que não queremos é contribuir para descaracterizar o relatório e limpar passagens fundamentais sobre determinados temas”, nem ficar associado a quem quer que relatório “tenha um vasto conjunto de páginas assinaladas a tinta correctora”, sustentou.

“Se não há capitulo, isso não se deve ao PSD, que fez a sua proposta alternativa”, deve-se ao voto contra do PCP, retorquiu Jorge Paulo Oliveira.

O deputado centrista Hélder Amaral, que considerou o capítulo dois do relatório “um capítulo muito relevante”, destacou que o Estado podia ter feito, em 2006/2007, “uma negociação mais musculada” com a EDP em defesa do interesse público, mas que não foi essa a vontade do ministro Manuel Pinho.

O relatório “estava em estado crítico e agora faleceu”, disse Hélder Amaral a propósito da eliminação das páginas sobre o domínio público hídrico. “Para o CDS, o relatório faz pouco sentido” e “fica muito aquém do objectivo de identificar rendas excessivas e como é que elas podem ser eliminadas”, afirmou o parlamentar.
 

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