Manuel Pinho envolve Castro Guerra no dossiê das barragens

O antigo ministro da Economia diz que foi o seu ex-secretário de Estado que o alertou para a necessidade de pedir duas avaliações independentes às concessões das barragens, que pediu pareceres jurídicos sobre o concurso público e manteve contactos com a EDP.

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Manuel Pinho e o presidente da comissão de inquérito, o deputado Emídio Guerreiro, do PSD LUSA/António Cotrim

O antigo ministro da Economia, Manuel Pinho, chegou esta quinta-feira à comissão parlamentar de inquérito às rendas da energia a desejar “um bom Natal a todos”, mas não tardou a irritar os deputados ao declarar à partida que ficaria em silêncio (a conselho dos seus advogados) sobre todas as matérias que estão sob investigação judicial, como alegados favorecimentos à EDP no processo de entrada em vigor dos contratos CMEC. Não é arguido, mas é suspeito de ter sido corrompido pela EDP, reconheceu o ex-governante.

Apesar de recusar responder a questões sobre ligações, negócios e pagamentos com, e do, Grupo Espírito Santo (que já estão referenciadas nos autos da investigação aos contratos da EDP), o ex-ministro lá foi dando algumas explicações sobre as decisões tomadas em 2006 e 2007 (fê-lo embora tenha destacado que aquilo que mais importa aos portugueses não é saber se há rendas excessivas na energia, mas sim porque é que pagam uma factura de electricidade tão elevada).

Foi nos meses que antecederam a entrada em vigor do mercado ibérico da electricidade (a 1 de Julho de 2007) que se tomaram algumas decisões polémicas, entre elas a de prolongar, sem concurso público, as concessões de 26 barragens da EDP, contornando para isso a Lei da Água, que obrigava a um processo concursal.

Nas respostas aos deputados, Pinho defendeu a tese de que não só a EDP tinha um direito, “consagrado na lei”, de continuar a explorar as barragens quando cessassem os contratos de aquisição de energia (e fossem substituídos pelos CMEC), como a alternativa à extensão seria o Estado português pagar 1300 milhões à EDP e lançar um leilão. E, para isso, “não havia condições”, disse o ex-ministro.

Mas disse mais. Frisou que foi o seu secretário de Estado, António Castro Guerra, que o alertou para a necessidade de contratar duas avaliações independentes, de “alguém responsável e certificado” porque havia avaliações divergentes da EDP e da REN para as concessões. E foi Castro Guerra quem acabou por contratar ao Crédit Suisse e à Caixa BI as polémicas avaliações usadas para fixar o valor a pagar pela EDP ao Estado pelas barragens. A contrapartida definida foi de 759 milhões de euros, apesar de haver um estudo da REN que apontava para um valor de 1600 milhões.

Ainda que tenha dito concordar com a metodologia usada pelos dois bancos de investimento (e lembrado que a REN é “esplêndida” no tema da electricidade, mas “não é especialista em avaliações financeiras”), Pinho disse que não acompanhou este dossiê. Aliás, foi Castro Guerra quem garantiu que “a legalidade dos procedimentos estava assegurada” com o pedido de três pareceres jurídicos sobre o assunto, sublinhou. Estes pareceres jurídicos antecederam a autorização legislativa pedida à Assembleia da República para ultrapassar a obrigatoriedade de concurso prevista na Lei da Água.

E Pinho, além de afirmar que só conheceu muitos dos detalhes do processo de extensão das concessões através das audições na comissão de inquérito, também disse que só conheceu o valor das ditas avaliações do Caixa BI e do Crédit Suisse quando chegou a altura de assinar os contratos com a EDP e a REN (o que aconteceu já no início de 2008). O ex-ministro afirmou que foi Castro Guerra qem “pediu os pareceres jurídicos, pediu as avaliações e esteve em contacto com João Manso Neto [administrador da EDP], há provas disso”.

Quando esteve na comissão de inquérito, em Outubro, Castro Guerra frisou que no final de 2006 (altura em que estava em definição a contrapartida a pagar pela EDP), o então ministro da Economia “ganhou maior vontade de agarrar os dossiês da energia”. “O ministro foi avocando os dossiês” a partir de Outubro de 2006, detalhou Castro Guerra.

Mas Pinho afirmou que “a história está mal contada”. Explicou que depois de Castro Guerra ter anunciado que as tarifas de electricidade haveriam de subir 15,7% em 2007 (algo que o deixou de “cabelos em pé” e escandalizou a Assembleia da República), “não podia haver mais falhas”, e por isso foi obrigado a acompanhar mais de perto os temas da energia. Foi nessa altura, em Outubro, numa reunião de crise que envolveu Governo, ERSE e as empresas (participaram Manso Neto, da EDP, e José Penedos, então presidente da REN), que se decidiu aproveitar a entrada em vigor dos CMEC para criar uma forma de fazer diluir no tempo os custos do sistema eléctrico e impedir uma subida tão abrupta das tarifas (foi aí que se forjou o défice tarifário).

Foi então que Pinho, numa explicação algo confusa, fez a ligação entre o diferimento dos custos, a entrada em vigor dos CMEC e a prorrogação do domínio hídrico. “Era preciso resolver um problema”, para isso “os CMEC tinham de entrar em vigor, e os CMEC tinham atrás o domínio hídrico”. Tudo teve de ser tratado ao mesmo tempo, afirmou.
 

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