Uma noite na Assembleia pelo clima: “É de um pequeno grão que se desenrola um grande movimento”

Estudantes passam a noite à porta do Parlamento para lembrar que estão em “emergência climática”. Até 24 de Maio, todas a sextas-feiras serão passadas em São Bento, a lutar pelo clima e pelo futuro de todos.

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Os estudantes reuniram-se em frente à Assembleia durante a noite de sexta-feira Sebastião Almeida

“Se alguém não tiver comida, diga”. Nas escadarias da Assembleia da República, o jantar faz-se de forma improvisada. Há sumos, batatas fritas e comida feita em casa para aquecer a noite que se avizinha longa. Esta sexta-feira, e até à manhã de sábado, um grupo de estudantes ficou em vigília pelo clima, às portas do Parlamento, em Lisboa. Os activistas tinham apenas uma mensagem: a de que vivemos uma “emergência climática”.

E querem fazê-lo todas as sextas-feiras, até à próxima greve climática estudantil de 24 de Maio, tal como Greta Thunberg, impulsionadora do movimento, que todas as sextas falta às aulas para protestar em frente ao Parlamento Sueco.

Do outro lado da estrada há apenas uma tenda montada. Os cerca de 50 estudantes reunidos na Rua Correia Garção preparam-se para passar a noite em claro. Para ajudar a passar o tempo, haverá um quizz sobre alterações climáticas, conversas sobre as próximas acções do movimento, uma aula de ioga e uma oficina de cartazes.

Mourana Monteiro, 22 anos, é uma das estudantes que integra a organização do movimento. Momentos antes, montava uma tenda onde está reunido um kit de primeiros socorros, para o caso de acontecer alguma coisa durante a noite. “Estamos a tentar mostrar à população que queremos que grande parte dos fundos do Governo sejam usados para dar resposta às alterações climáticas”. “Vamos acampar à porta da Assembleia para que nos levem a sério”, explica.

Vicente Silvestre, de 19 anos, é estudante de Engenharia Aeroespacial no Instituto Superior Técnico. Começou a participar no movimento durante a preparação da Greve Climática Estudantil de Março e desde então continua empenhado em fazer a diferença. “Queremos que o problema que estamos a viver seja reconhecido”, nota. “E um dos primeiros passos é a declaração da emergência climática”.

“Do ponto de vista jurídico, não tem cabimento a declaração de Estado de Emergência”. Quem o diz é Ramiro Morais, de 19 anos. O estudante de Direito na Universidade de Lisboa considera premente que o “Parlamento adopte mecanismos legais no sentido de alocar fundos e de produzir mudanças na política ambiental portuguesa”.

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Os jovens organizaram-se em fila para conseguirem constituir equipas para a realização do quizz sobre alterações climáticas Sebastião Almeida

Para estes jovens, o importante é demonstrar a sua preocupação e determinação. “Os estudantes acordaram”, dizem. E prova disso é a certeza com que todos afirmam que não deixarão que continuem a negligenciar o seu futuro e que não desistirão até se tomarem medidas adequadas para inverter os danos causados na Terra.

Aleksandra Berg, de 42 anos, e a filha Dunia, de 14, decidiram passar a noite em Lisboa, apesar de viverem em Palmela. Dunia pediu à mãe para vir à vigília depois de ter ido à apresentação de um plano de mitigação das alterações climáticas para a região de Setúbal. Lá, conheceu alguns dos jovens com quem vai passar a noite de sexta-feira até ao início da manhã de sábado. “Ela pediu tanto que eu lhe disse que sim”, diz Aleksandra. Mas não é só para fazer a vontade à filha que a mãe decidiu passar a noite na rua. Só assim, acredita, é possível incutir às crianças a consciência de que é preciso fazer algo para mudar as coisas. O filho mais novo, Bernardo, de seis anos, também já começou a contribuir para a mudança. “Tu já tens uma palhinha de inox para não estragar o plástico, não é?”, diz Aleksandra ao esboçar-lhe um sorriso.

Mas não só de jovens se faz a luta pelo clima. José Oliveira e Ana Cruz não vão passar a noite na rua, mas quiseram marcar presença no que consideram ser uma importante acção de “divulgação de informação”. O casal de 67 e 70 anos, respectivamente, tem consciência que o planeta tem sido “maltratado de tal forma” que têm agora de fazer o que não fizeram na altura devida. Só dessa forma poderão salvar os que “aqui vão ficar”. “Está na altura de os seniores fazerem algo e de dar uma ajudinha aos mais novos”, diz Ana. “Se não o fizermos, a natureza obrigar-nos-á a fazê-lo da pior maneira possível”, remata José. “É de um pequeno grão que se desenrola um grande movimento.”

À medida que a noite vai crescendo, o tempo é passado à conversa ou a cantarolar. No meio da escadaria, Inês Aleixo encontra no uquelele companhia para as próximas horas. A jovem de 16 anos, que veio de Leiria, toca no instrumentos House of Gold, do grupo 21 Pilots. Para a estudante “é essencial” que esta vigília se realize em todos os locais possíveis. “Mais do que estarmos a pedir a acção governamental, queremos tentar consciencializar as pessoas”, argumenta.

Alice Gato, uma das organizadoras do movimento estudantil pelo clima e da vigília, acredita que é importante mostrar que os estudantes “não querem fazer só greves”. “Não queremos só faltar às aulas”, afirma. Uma das formas encontradas de mostrar que continuam atentos foi então avançar com a ideia da vigília, que acaba por ser “um momento de integração e ensinamento” para todos os envolvidos.

Além da proibição da exploração de combustíveis fósseis, do encerramento da central de Sines e do Pego e da necessidade de atingir as metas do Painel Intergovernamental sobre as mudanças climáticas, que definiu que se reduza em 50% as emissões poluentes até 2030, este grupo de jovens não quer parar nunca. “Isto serve para que as pessoas reconheçam que estamos num estado de emergência”.

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