Património
Eles andam por Portugal à procura de azulejos publicitários
Três amigos querem fazer perdurar a "publicidade que resiste aos tempos" num arquivo online em construção. Para isso, viajam pelo país para fotografar os painéis publicitários de azulejos que ainda encontram nas fachadas.
Encostaram o carro para fotografar um "Senhor Anónimo e o seu Cavalo Sem Nome" à beira de uma estrada em Alter do Chão, Portalegre — e quando voltaram a arrancar, já tinham ideias de voltar a parar muitas mais vezes. O famoso painel de azulejos que convida todos a adubar com Nitrato do Chile, e mostra o tal cavalo e o homem de chapéu, levou um grupo de três amigos — Cátia Santos, David Francisco e Isabel Boavida — a criarem um site que mapeia os azulejos publicitários que ainda resistem nas fachadas portuguesas. Até este Dia Nacional do Azulejo, que se celebra a 6 de Maio desde 2017, contam já com 170 entradas (e outras tantas ainda por adicionar), tanto em fotografias tiradas por eles, como através de imagens do street view do Google Maps, em cidades como Coimbra, Porto, Lisboa, Aveiro, Vila Real, Vila Nova de Famalicão, Idanha-a-Nova, Tomar, Miranda do Douro, Monforte.
"É publicidade que resiste aos tempos. Mesmo quando o produto que anuncia deixa de existir", anuncia por sua vez David, o programador web de 29 anos responsável pelo site do grupo que se conheceu na Universidade de Coimbra. Os três (Cátia e Isabel são arquitectas) partilham "o gosto de viajar pelo interior do país" e uma memória colectiva: os "painéis publicitários, sobretudo os referentes ao Nitrato do Chile, à Firestone e ao Licor Beirão". Podia ser só uma ideia que morria depois daquela primeira fotografia. "Mas pareceu-nos interessante e concebível criar um repositório online para facilitar a divulgação dos exemplares que ainda existem", conta David Francisco, por telefone, ao P3. "Achamos engraçado porque estes azulejos ficam em sítios mais remotos. E pelo facto de estarem muitas vezes em habitações privadas faz com que estejam muito mais em perigo de serem removidos, quando os imóveis são sujeitos a obras ou a demolição." Além disto, "o facto de serem publicitários, o que requer pagamento de uma licença, fez com que muitos tenham sido cobertos com tinta ou outros cartazes".
Em Março, o grupo removeu a tinta que escondia um anúncio da fábrica de pneus Mabor General da fachada de uma casa, no Alto de São João, em Coimbra. "Gostaríamos de conseguir fazê-lo mais vezes, mas ainda estamos a tentar perceber as questões legais", confessa David. Já fizeram, também, reconstruções digitais de painéis que existem, mas estão muito degradados. Em Abril, e por considerarem "alguns dos painéis publicitários em azulejo autênticas obras de arte", colaram uma placa interpretativa, como as que existem em museus, debaixo de um painel das Bolachas Nacional, perto da Sé Velha, em Coimbra, onde incluíram ainda o código QR para um audio-guia e a respectiva entrada no site.
Querem agora que os dados do projecto sejam associados a uma base de dados "mais oficial" e, para isso, já entraram em contacto com a rede Az, um grupo de investigação de azulejos da Universidade de Lisboa. Além da localização do painel, começaram a incluir também o fabricante e a contar a história da empresa ou dos negócios anunciados, o que "muitas vezes envolve conversar com as populações", conta David. "Quando começámos a embrenhar-nos na história destes painéis começámos a perceber também a importância da indústria cerâmica — fábricas, oficinas, ateliers, mestres — na identidade cultural do país." Chegam até eles através de informações que encontram na Internet, em livros (alguns deles sobre viagens pelas estradas nacionais) ou seguindo as instruções dos seguidores que reuniram no Instagram — que, no início do projecto, foram presenteados com um íman que replicava o azulejo proposto. Que não querem que se torne só uma recordação.
Gostas de fotografar e tens uma série que merece ser vista? Não consegues parar de desenhar, mas ninguém te liga nenhuma? Andas sempre com a câmara de filmar para produzir filmes que não saem da gaveta? Sim, tu também podes publicar no P3. Sabe aqui o que tens de fazer.