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Na América, um em cada quatro cowboys era negro

©Rory Doyle
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Após o fim da Guerra Civil Americana, em 1865, estima-se que um em quatro cowboys do Mississipi era afro-americano; esta é uma realidade pouco documentada na história oficial norte-americana, que encontra raízes no esclavagismo abolido pouco antes, em 1863. “Esta população foi drasticamente sub-representada na cultura popular”, refere Rory Doyle, autor do projecto Delta Hill Riders, vencedor do concurso Zeiss Photography Award. “Descobri, no terreno, que há muitas famílias afro-americanas que se identificam, há várias gerações, com a cultura western”, contou Rory ao P3, em entrevista por email. “A população mais idosa dependia dos cavalos para o trabalho na terra, mas, com a implementação de maquinaria agrícola e pecuária, a demonstração dessa faceta cultural sofreu uma migração para um lado mais recreacional e social.” Foi num desfile natalício de cavaleiros que Rory se deparou, pela primeira vez, com um grupo de cowboys negros.

O que é um cowboy, ou um vaqueiro, como é denominado em português? É, segundo o dicionário de Cambridge, “alguém cujo trabalho é cuidar de gado e que normalmente o faz com recurso a um cavalo”. A palavra cowboy está também associada à luta e rivalidade entre a população branca e os nativos americanos (vulgo índios) e à cultura do rodeo e dos saloons, tão presentes nos filmes western. A população afro-americana não estava ausente desse cenário, mas foi, segundo Rory Doyle, excluída da narrativa histórica. Porquê?

O cowboy afro-americano Nat Love nasceu escravo em Nashville, Tennessee. Publicou, em 1907, uma autobiografia que poderia bem ser o argumento de um filme de John Wayne. Nela contou que viveu grande parte da sua vida em Dodge City, no estado do Kansas, e que a sua vida passou — como a vida de qualquer cowboy do seu tempo — pelos típicos saloons, salões de dança e casas de jogo da cidade. Durante o dia, sobre o dorso de um cavalo, conduzia centenas de cabeças de gado entre pontos longínquos; de noite bebia e convivia com o famigerado Billy The Kid e outras figuras que ganharam estatuto de lenda no Oeste, como Pat Garrett ou Bat Masterson. Quando não estava “empenhado em combater os índios”, Love fazia tiro ao alvo, enlaçava cabeças de gado por desporto e cumpria desafios que lhe eram feitos em apostas. O cowboy negro tornou-se um símbolo popular da presença negra neste cenário.

Quase toda a gente com quem Rory Doyle conversou no Mississippi estava “ciente de que a cultura cowboy negra não tinha sido incluída na história americana como deveria ter sido”, explicou ao P3. “Eles sentem muito orgulho nessa herança cultural e sentem-se, ainda, parte dela.” Ser cowboy ainda é, na região, um elemento importante na identidade das comunidades afro-americanas. Actualmente, a comunidade de cavaleiros é bastante heterogénea, refere Doyle. “Trabalhadores, reformados, jovens estudantes”, há um pouco de tudo, refere. “O denominador comum é o seu amor pelos cavalos e pelos seus pares.”

Delta Hill Riders debruça-se, essencialmente, na ideia da transmissão de valores entre elementos de várias gerações no contexto da América rural da actualidade. “Foi uma experiência muito calorosa ter sido aceite nesta comunidade. Tenho a certeza que irei desenvolver este projecto para o resto da minha vida. Quero estar presente para perceber como a geração mais recente de cavaleiros mantém a tradição.” As imagens encontram-se em exposição na Somerset House, em Londres, em conjunto com fotografias vencedoras do concurso Sony Awards.

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