VIH: Responder à epidemia com informação. Uma mensagem da comunidade
Podemos responder adequadamente à epidemia, se conseguirmos usar a literacia, o rastreio, a prevenção e o tratamento de forma inteligente, corajosa e estratégica. Esta é mensagem que gostava que chegasse de uma forma ampla à cidade que me acolheu.
Fez-se um longo caminho. As primeiras duas décadas da SIDA foram um período de perda, impotência e indecisão. A infeção não tinha tratamento, os mecanismos de transmissão não eram bem claros e o esforço político de reconhecer a urgência de uma resposta institucional tardou muito.
Havia quem se recusasse a tratar os doentes e famílias que decidiram abandonar os filhos, vergonha da família. Também existiram situações exactamente opostas, expressões fortíssimas de entreajuda e de coragem, heróis e heroínas inesperados criados por circunstâncias únicas.
No final dos anos 90, com a chegada das primeiras terapêuticas eficazes, o diagnóstico de VIH deixou de ser sentença de morte, abrindo caminho para um longo período de aperfeiçoamento dos medicamentos e de conquista lenta do acesso aos mesmos.
No entanto “medo” tem sido, ao longo destes trinta anos, a palavra-chave da epidemia e a causa número um da desinformação, do afastamento e do silêncio sobre o assunto. E tem sido a palavra através da qual o VIH tem marcado o acesso aos nossos corpos, às nossas vidas e às nossas relações pessoais.
As pessoas que vivem com VIH hoje, ainda se deparam diariamente com o medo, que elas próprias sentem de serem discriminadas ou excluídas, e o dos outros, frequentemente utilizado como desculpa para qualquer tipo de reação. Persiste, na nossa mentalidade, a ideia de que temos de aceitar o comportamento dos outros, se a causa foi o medo, abrindo o caminho a discursos e comportamentos discriminatórios. Temos de recusar essa opressão. Estes discursos e comportamentos são inaceitáveis e anacrónicos. Temos o dever de os abandonar de uma vez por todas.
Sabemos hoje que as pessoas que vivem com VIH que estão em tratamento e têm carga viral indetetável não podem transmitir o vírus sexualmente. I=I, ou seja, Indetetável igual a Intransmissível.
O conceito de I=I obriga a considerar as pessoas que vivem com VIH e o tratamento como protagonistas ativas da prevenção. Esta informação acaba por ser bem mais do que um fato científico pois torna-se uma ferramenta de empoderamento das pessoas e comunidades afetadas pelo VIH. Assim, reduz-se o estigma e os preconceitos à volta da infeção.
Sou contactado frequentemente por pessoas que recebem um diagnóstico de infeção por VIH e precisam de partilhar dificuldades, medos e esperanças. Cada vez que isto acontece, constrói-se uma delicada e frágil relação de confiança mútua, de compreensão.
Fala-se muito, tenta-se tirar dúvidas, enfrentar os primeiros desafios, tenta-se sair com otimismo e coragem do buraco negro que, para muitos e muitas, o diagnóstico representa nos primeiros tempos. Uma parte importante das conversas costuma ser à volta do facto de podermos continuar a ter uma vida sexual e relacional plena, feliz e saudável. Poder dizer que Indetetável significa Intransmissível é importante e ajuda a quebrar o medo da solidão. Acabou a época em que se confundia demasiado facilmente a resposta à infeção com a guerra silenciosa às pessoas que vivem com ela. Hoje, podemos brilhar ao sol, sem medo.
Fui um dos protagonistas da campanha “Parar o VIH está nas nossas mãos”.
Sou uma pessoa real, jovem, vivo em Lisboa e relaciono-me com o VIH com a informação e os tratamentos que existem em 2019. A ideia é muito simples e direta, parar o VIH está nas nossas mãos: cabe às gerações e aos decisores atuais parar a infecção. Temos condições para isso, vivamos com VIH ou não. Podemos responder adequadamente à epidemia, se conseguirmos usar a literacia, o rastreio, a prevenção e o tratamento de forma inteligente, corajosa e estratégica. Esta é mensagem que gostava que chegasse de uma forma ampla à cidade que me acolheu.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico