Hong Kong está mais cara para os mortos do que para os vivos
Numa região onde sete milhões de pessoas estão concentradas em apenas 30% do território, o espaço para uma urna pode custar até 207 mil euros. As soluções passam pelos enterros verdes, pelo armazenamento das urnas em casa ou mesmo pela adaptação de navios cruzeiros em columbários flutuantes.
O problema não é de agora, mas tem-se agravado nos últimos anos: a região de Hong Kong debate-se com a falta de espaço para sepultar os seus mortos.
A escassez de terrenos para sepulcros começou no final dos anos 70 e fez com que fosse proibido construir novos cemitérios privados. Ao mesmo tempo, os cemitérios públicos tiveram que passar a garantir que os restos mortais fossem exumados e cremados passados seis anos sobre o óbito para conseguir mais vagas.
Agora, tentar assegurar até um pequeno espaço para colocar uma urna pode custar até 207 mil euros — o metro quadrado para habitação custa, em média, 18.700 euros — e existem mais de 200 mil urnas à espera de um local onde possam ser depositadas. A cidade está a ficar sem opções.
Segundo a Reuters, pouco ou nada tem sido feito para aliviar a escassez de jazigos, numa cidade onde morrem mais de 40 mil pessoas por ano. Para alguns, só um golpe de sorte pode resolver o problema: se um dos seus familiares decidir que os restos mortais de um ente querido podem ser removidos de um cemitério público para serem cremados, abrindo assim uma vaga, ou se a família for detentora de um jazigo num cemitério privado.
O problema alastrou-se a todas as classes sociais. Nem mesmo os milionários residentes em Hong Kong parecem conseguir encontrar um local para enterrar os seus familiares, numa região onde mais de sete milhões de pessoas estão concentradas em apenas 30% do território.
A falta de espaço resultou no aumento do número de pessoas que são cremadas. Segundo dados da Reuters, 90% dos mortos da cidade foram cremados em 2013, contra apenas 38% em 1975. Mesmo assim, o tempo de espera por um local onde colocar a urna num cemitério público pode chegar aos cinco anos.
Ao The Guardian, vários representantes de agências funerárias afirmam que têm nas suas instalações mais de 100 mil urnas armazenadas e que estão à espera de um local para serem depositadas. Quem não quer ou não pode esperar por uma vaga, deve estar preparado para pagar preços muito acima dos normais por um espaço não muito maior que uma caixa de sapatos num columbário particular.
“Eternidade flutuante”
Para resolver a questão, algumas empresas de arquitectura estão a pensar “fora da caixa”. Em 2012, a BREAD Studio, uma empresa de consultadoria de design sediada em Hong Kong, elaborou um projecto para transformar um navio transatlântico num cemitério. O “Eternidade Flutuante” (em inglês Floating Eternity) teria espaço para 370 mil urnas. Em 2016, um projecto semelhante procurava investidores para financiar a transformação de um navio de cruzeiro num columbário flutuante com espaço para 48 mil urnas, sem deixar de fora a parte de lazer para quem queria visitar os seus entes queridos: o projecto incluía um restaurante e um hotel a bordo.
Ao The Guardian, a equipa responsável pelo “Eternidade Flutuante” afirma que o processo de aprovação do projecto está a ser mais lento do que pensavam e que continuam a aguardar uma resposta das entidades oficiais.
Enquanto isso, o Departamento de Alimentos e Higiene Ambiental da região tem tentado promover enterros verdes como, por exemplo, incentivar a população a espalhar as cinzas dos seus parentes em jardins ou no mar. No entanto, segundo o jornal britânico, em 2018 apenas 7046 enterros em Hong Kong aconteceram desta forma, menos de 15% do valor total.
“A longo prazo esperamos que o enterramento verde ganhe cada vez mais adeptos e uma maior aceitação social para que se torne na forma preferencial para se dispor das cinzas”, diz Florence Wong, porta-voz do Departamento de Alimentos e Higiene Ambiental ao The Guardian.
Outra solução para o problema seria incentivar a população a guardar as cinzas dos familiares nas suas casas, mas este método poderia entrar em conflito com as tradições religiosas do país. O governo do território já garantiu que ia aumentar a oferta de jazigos público com a construção de três projectos que poderão criar 208 mil vagas ainda este ano.
Também ao jornal jornal britânico, Kwok Hoi Pong, presidente da Associação Comercial de Funerais de Hong Kong, refere que a opção mais sustentável é mesmo o enterramento verde ou o armazenamento das cinzas em casa. “As pessoas estão a ficar sem opção de escolha porque a realidade é que estamos a ficar sem espaço em Hong Kong, mesmo para os mortos”.