Centenas de denúncias de deficiências no SNS chegaram à Ordem no último ano

O bastonário dos Médicos, Miguel Guimarães, acusa o ministro das Finanças, Mário Centeno, de ter feito manobras para empurrar médicos para fora do Serviço Nacional de Saúde, ao atrasar a abertura de concursos para recém-especialistas.

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Rui Gaudencio

Centenas de denúncias chegaram no último ano à Ordem dos Médicos sobre falta de condições de trabalho, de segurança clínica ou de equipamentos, enquanto as agressões aos profissionais continuam a aumentar.

Há cerca de um ano a Ordem dos Médicos criou um email próprio para que os profissionais pudessem denunciar situações que consideram pôr em causa a segurança ou qualidade dos cuidados prestados, uma ferramenta que já recebeu cerca de uma centena de queixas. O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, explica em entrevista à agência Lusa que, apesar deste email específico, os profissionais continuam também a usar outros meios para fazer chegar queixas à Ordem. A entrevista acontece no dia do Fórum Médico, que reúne todas as associações e estruturas médicas e que foi convocado pela Ordem.

“Na prática, no último ano, tivemos centenas de denúncias de várias origens, desde os cuidados de saúde primários aos hospitais, envolvendo várias situações diferentes e tivemos também denúncias de doentes”, afirma o bastonário.

Entre as denúncias estão recursos humanos insuficientes ou condições de segurança clínica ou física que não são asseguradas. “Vários médicos queixaram-se desta situação [de segurança física]. O nível de agressões a médicos é muito superior ao que está reportado, e falo de agressão física”, lamenta Miguel Guimarães.

Segundo os dados oficiais, no ano passado houve mais de 950 registos de violência contra profissionais de saúde, sendo 2018 o ano com mais casos registados. Contudo, nestes registos oficiais, a maioria dos casos (62%) diz respeito a assédio moral.

Nas denúncias dos médicos que chegam à Ordem surgem também situações que apontam para "burnout", com desgaste profissional seja a nível físico ou emocional, bem como queixas relativas à carreira e às remunerações.

Mas “a maioria” dos profissionais “queixa-se das condições de trabalho”, como a falta de materiais, de equipamentos e as más condições climáticas das unidades em que trabalham, refere o bastonário.

Persistem também as queixas em relação aos sistemas informáticos, sobretudo por parte dos médicos de medicina geral e familiar. Múltiplos sistemas e lentidão são algumas das principais queixas dos médicos em relação aos sistemas informáticos.

Miguel Guimarães afirma que a “ministra da Saúde se tem mostrado completamente incapaz de resolver estes problemas”, que se vêm arrastando e para os quais os profissionais têm vindo a alertar há largos meses.

Quanto aos atestados médicos para as cartas de condução, actualmente mais exigentes e passados electronicamente, o bastonário assume que tem havido menos queixas, mas que continuam a existir.

“Não percebo como é que o ministério não resolveu isto ainda”, lastima Miguel Guimarães, lembrando que se aguarda a criação de serviços específicos para fazer avaliação médica e psicológica de condutores.

Empurrados para fora do SNS

O bastonário acusou ainda o ministro das Finanças, Mário Centeno, de ter feito manobras para empurrar médicos para fora do Serviço Nacional de Saúde (SNS), ao atrasar a abertura de concursos para recém-especialistas.

Miguel Guimarães entende que o Governo se tem “habituado a poupar na saúde” e considera que o ministro das Finanças empurrou vários médicos para o privado ou para trabalho no estrangeiro.

“Repare nas manobras que o ministro Centeno fez para não se contratarem médicos em Portugal. Os atrasos que provocou nos concursos, de quase um ano. Porque sabe que se os médicos estiverem muito tempo à espera [de concurso] têm outras opções e solicitações”, disse o bastonário, em entrevista à agência Lusa.

Miguel Guimarães referia-se ao concurso para mais de 700 médicos especialistas que concluíram o internato em 2017 e estiveram dez meses à espera, um atraso que na altura o bastonário classificou como uma “vergonha e drama nacional”.

“[Centeno] empurrou os médicos para outras opções, ou para o privado ou para fora do país. Se demoro dez meses a fazer um concurso, alguns médicos não ficam à espera e tomam outras opões”, insiste o bastonário.

A este propósito, Miguel Guimarães elogiou o PCP, que apresentou um projecto de lei, entretanto aprovado, que obriga à abertura de concurso para médicos recém-especialistas no prazo de 30 dias.

O bastonário volta ainda a alertar para os constrangimentos financeiros do sector e para o subfinanciamento. Miguel Guimarães defende que o SNS “não consegue continuar a ter uma boa capacidade de resposta com uma afectação de 4,8% do PIB [Produto Interno Bruto]”.