Parecer de Rui Pereira defende competência própria da Justiça Militar

Pedido técnico-jurídico foi feito dias após o assalto de Tancos pelo capitão João Bengalinha, primeiro investigador da PJM do caso.

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Rui Pereira foi ministro de Guterres e Sócrates DRO DANIEL ROCHA - PÚBLICO

Na passada quinta-feira, na audição do major Vasco Brazão da Policia Judiciária Militar (PJM) na comissão parlamentar de inquérito a Tancos, aquele oficial referiu a existência de um parecer do jurista Rui Pereira que atestava a legitimidade da intervenção daquele órgão de investigação criminal no processo, apesar de, por despacho da Procuradoria-Geral da República (PGR), o caso ter acabado por ser entregue à PJ que, para o efeito, devia ser coadjuvada pela PJM. O parecer de Rui Pereira sobre a “Conexão de Processos, crimes comuns e crimes militares”, defende a competência própria da Justiça Militar em termos jurídicos e, afirma o jurista, não se refere a nenhum processo concreto.

“O Código de Processo Penal ignora completamente essa matéria”, afirma o parecer, referindo-se à conexão entre crimes previstos no Código Penal e na Lei de Combate ao Terrorismo “ou outra qualquer legislação avulsa” e os crimes previstos no Código de Justiça Militar. “Assim, se nenhuma outra disposição vigorasse quanto a esta questão, seria forçoso concluir que seria admissível, nos termos gerais, a conexão, restando apurar qual seria o tribunal competente – em princípio o tribunal que integrasse juízes militares, que se deveria considerar o tribunal de espécie mais elevada”, assinala.

Todavia, no seu curto parecer de sete pontos, o jurista destaca que o Código de Justiça Militar é uma norma especial quanto às normas do Código Penal. E explica: “Visto que regula especificamente a questão do concurso entre crimes militares e não militares, estabelecendo que a conexão não opera entre processos que sejam e processos que não sejam de natureza estritamente militar. Assim, nestes casos, nunca é admitida a conexão de processos.”

Rui Pereira observa que esta norma do Código de Justiça Militar é, nesta matéria, posterior às normas do Código do Processo Penal, e não foi revogada. Para que tal aconteça, o legislador deve manifestar a sua intenção inequívoca. “A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”, refere, citando o Código Civil.

No parecer, que resulta de um pedido técnico-jurídico do capitão João Bengalinha, o primeiro instrutor da PJM do processo de Tancos e que se afastaria posteriormente do caso nas vésperas, em 18 de Outubro de 2017, do achamento do material de Tancos num baldio da Chamusca, Rui Pereira é claro: a especificidade da justiça militar não foi anulada pela extinção dos tribunais militares em tempos de paz. “Esta afirmação é comprovada pela subsistência de juízes e assessores militares e da própria Polícia Judiciária Militar”, considera.

Datado de 4 de Agosto de 2017, quando a PGR avançava com o despacho que entregava as investigações à Judiciária, embora coadjuvada pela PJM, o último ponto do parecer sustenta que a conexão opera nas várias fases do processo, desde o inquérito. Pelo que, afirma, não se pode transformar processos “inconectáveis” num apenso de outro.

Rui Pereira esclarece que o pedido do capitão João Bengalinha foi formulado a 3 de Agosto de 2017, portanto na véspera da redacção do parecer, e que este foi emitido pro bono. “Em nenhuma parte do parecer se fala do caso ou do processo de Tancos, que estava em segredo de Justiça e cujo conteúdo eu desconhecia, ou sobre as competências de órgãos de polícia criminal”, conclui o esclarecimento do ex-ministro da Administração Interna de António Guterres e José Sócrates.

Para esta quarta-feira, está agendada a audição parlamentar do coronel Luís Vieira, ex-director da PJM e arguido no processo. Quinta-feira, é a vez do tenente-general António Martins Pereira, chefe de gabinete do ex-ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, comparecer no Parlamento. Foi a Martins Pereira que, segundo o major Vasco Brazão, foi entregue um memorando de uma página, sem timbre ou assinatura, dando conta do que realmente acontecera com o achamento na Chamusca de parte do material furtado. 

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