Querem aniquilar a classe docente?
Na próxima legislatura, os nossos governantes e os nossos políticos deverão votar prioridade máxima às questões aqui enunciadas.
Há dias, a notícia “Há turmas sem professores desde o primeiro período” fez manchete na imprensa, destacando a falta de professores nos concursos e, consequentemente, nas escolas.
Apesar dos alertas persistentes, a situação retratada apresenta uma tendência de agravamento, ano após ano, por todo o país, com maior expressão nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, sendo transversal a muitos grupos de recrutamento de que o Português, a Matemática, o Inglês, a Geografia e a História são meros exemplos.
Apresento algumas razões para a dificuldade crescente em contratar professores, dividindo-as em duas dimensões:
- Estrutural:
- escassez: aliada ao envelhecimento do corpo docente (menos de 1% dos professores encontra-se abaixo dos 30 anos e quase metade tem mais de 50), a redução acentuada do número de candidatos aos cursos de formação inicial de professores levam a perspetivar um futuro negro para a Educação, antevendo-se o recurso a professores com habilitação mínima ou suficiente, nada aconselhável para sustentar a elevada qualidade que a Escola detém atualmente;
- carreira docente: o tratamento infligido aos profissionais da classe, de há uns anos a esta parte, desmotiva-os e aconselha os pretendentes à carreira a renunciarem à sua vocação e aspirações, desviando-os para outras áreas mais aliciantes, sobretudo em termos profissionais;
- abandono: nos últimos sete anos, cerca de “10.000 professores deixaram de concorrer aos concursos ou desistiram da profissão”, e na “última década saíram do sistema de ensino 30.000 docentes”.
- Conjuntural:
- arrendamento: mais especificamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o custo do arrendamento de um quarto pode ascender aos 500 euros, valor incompatível com o vencimento líquido de um professor contratado, compelido a pagar para trabalhar;
- horários: por norma, muitos dos horários a concurso são incompletos, uma vez que decorrem da situação de doença de professores com muitos anos de serviço e, por isso, com componente letiva reduzida, sendo o valor do vencimento auferido proporcional ao número de horas do contrato;
- tempo: além do constrangimento indicado anteriormente, alguns horários podem ter só a duração de um mês, levando à recusa do opositor, que não pretende abdicar da possibilidade de obtenção de um horário anual em detrimento da incerteza, insegurança e instabilidade que advêm da aceitação de um temporário.
Por conseguinte, aponto caminhos que deverão ser alvo de atenção redobrada por parte dos decisores:
- Rejuvenescimento do corpo docente e recomposição do tempo de trabalho: se, por um lado, é necessária a abertura de vagas nos diversos grupos de recrutamento, não menos essencial é dar a opção aos docentes, a partir dos 60 anos, converterem a sua componente letiva em não letiva para práticas colaborativas no acompanhamento a jovens docentes, bem como para o incremento de projetos extracurriculares e de enriquecimento curricular (clubes, oficinas, etc.);
- Reconhecimento da profissão: os professores têm sido tratados de modo nada consentâneo com a real importância das funções e tarefas que desempenham; é de lamentar a falta de valorização pelo serviço efetivamente prestado, pois considero que estes profissionais são merecedores de palavras e gestos de incentivo, raramente existentes por quem os tutela;
- Carreira efetivamente aliciante: não sendo uma profissão sedutora, a seguir aos bombeiros são os professores que colhem a maior confiança por parte da sociedade; também por isso, são dignos de merecer tratamento justo, de modo a tornar esta profissão a mais bela do mundo, apetecível a todos.
Os nossos governantes (seja qual for a força política) e os nossos políticos não podem desprezar as questões aqui enunciadas, e na próxima legislatura deverão votar-lhes prioridade máxima, não devendo fazer crer que a atribuição de algumas horas extraordinárias a professores já exaustos pelas competências que desempenham dentro do seu horário normal possa afigurar-se como uma solução séria; no mesmo sentido, se em tempos de crise os candidatos à docência aceitavam qualquer oferta, hoje, porém, havendo mais e outras opções de empregabilidade, isso já não sucede.
Na continuidade do desconcerto, a inevitável pergunta impõe-se: querem aniquilar a classe docente?
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico