As grandes cidades traíram Erdogan, e mostraram-lhe o que é perder
Os maus resultados do partido do Presidente nas maiores cidades, como Ancara e Istambul mas não só, são vistos como um desfecho “terrível” para Erdogan e são um castigo pelo mau momento económico do país.
As derrotas em Istambul e Ancara, nas eleições municipais na Turquia, abalaram o domínio estabelecido durante quase duas décadas pelo Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) e personificado no Presidente, Recep Tayyip Erdogan.
Em Istambul, a maior cidade do país, a corrida eleitoral foi disputada ao milímetro e os dois principais candidatos reclamaram vitória. Numa metrópole com mais de dez milhões de pessoas, pouco mais de 20 mil votos separaram o candidato do Partido Republicano do Povo (CHP), Ekrem Imamoglu, do seu adversário do AKP, Binali Yildirim.
Com uma diferença tão escassa, é expectável que se inicie uma batalha na justiça eleitoral. Ainda os primeiros resultados estavam a ser divulgados e alguns dirigentes do AKP diziam já haver “várias” irregularidades com impacto na definição do vencedor.
Perder Istambul tem um significado acrescido para Erdogan, cuja ascensão política teve início em 1994, como presidente da câmara da cidade. O correspondente da BBC na Turquia, Mark Lowen, descrevia as eleições como “um momento charneira” para o Presidente turco: “Quando uma oposição há muito vista como moribunda percebe finalmente que ele pode perder”.
Em Ancara, a margem de vitória do candidato da oposição, Mansur Yavas, sobre o ex-ministro Mehmet Ozhaseki foi mais folgada, tendo sido superior a cem mil votos. Para o AKP, o único aspecto positivo foi ter alcançado mais votos na contabilidade nacional.
O que parece ser certo é que as eleições que o próprio Erdogan definiu como “uma questão de sobrevivência” para o regime que lidera desde 2003 dificilmente podem ser enquadradas como um sucesso para o AKP. Para além da perda de Istambul, o partido foi derrotado nas outras principais cidades do país, incluindo a capital, Ancara. Outras câmaras importantes que deixaram de ser governadas pelo AKP foram Esmirna, a terceira maior cidade, Adana, um importante pólo industrial, e Antalya, um conhecido destino turístico.
O preço das cebolas
“Mesmo que Istambul, com 11 milhões de eleitores, seja ganha por alguns milhares de votos, será encarado como uma grande derrota”, disse à Al-Jazira o analista político, Murat Yetkin.
Apesar de serem eleições locais, o seu impacto foi sentido como se de um referendo à governação de Erdogan se tratasse. “Os resultados também mostram que o sistema presidencial executivo, que foi criado para evitar coligações, acabou por da origem a uma coligação de facto, uma vez que o AKP não consegue manter uma maioria sem a sua parceria simbiótica com o MHP [nacionalistas]”, afirmou Yetkin.
As eleições de domingo foram o primeiro teste eleitoral a Erdogan depois de, no ano passado, ter sido aprovado num referendo um novo sistema político, em que os poderes presidenciais foram amplamente reforçados.
No entanto, é a crise económica vivida no país – que empobreceu grande parte da população e que levou a uma contracção da economia no final do ano passado – que aparece como a grande responsável pela quebra do apoio ao AKP. Com Erdogan, a Turquia viveu taxas de crescimento sem precedentes, coroadas com um boom na construção de infra-estruturas alimentadas pelo próprio Presidente, e que garantiram ao AKP vitórias eleitorais consecutivas.
“O preço das cebolas pode ainda vir a ser a perdição de Erdogan”, notava o colunista do The Guardian Simon Tisdall.
Apesar das perdas a nível local, Erdogan vai manter um controlo apertado da generalidade das instituições governamentais e ninguém se atreve a antecipar o fim político da sua era. Os turcos voltam às urnas apenas em 2023, para eleições legislativas, que coincidem com o centenário da fundação da República – uma data na qual será difícil imaginar Erdogan fora do poder.
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Bilkent, em Ancara, Berk Esen, o resultado é “terrível para Erdogan”, especialmente porque mostra que o Presidente mais poderoso das últimas décadas passou a ser “bastante vulnerável”. “Há uma crise económica e há uma crise internacional por causa do impasse em curso com os EUA”, explicou Esen, citado pelo Financial Times.
No Verão do ano passado, Washington impôs uma série de sanções económicas contra a Turquia e subiu os impostos sobre algumas importações, no que Erdogan classificou como “guerra comercial”. As acções dos EUA levaram a uma desvalorização acelerada da lira, a moeda turca.